Mais conhecido por ser comentador desportivo num canal de televisão por cabo, André Ventura é também candidato à Câmara Municipal de Loures nas autárquicas que se realizarão a 1 de outubro.
O facto de o atual autarca pertencer a um partido da Geringonça não é, para o candidato da Direita, um ponto a favor. Ou melhor, se até aqui poderia ser, nos “próximos meses” talvez não seja, pois o Governo perdeu o seu “estado de graça” face aos recentes acontecimentos em Tancos e em Pedrógão Grande.
Quanto ao PSD, André Ventura defende que o partido se deve “abrir à sociedade” através da realização de eleições primárias para que todos possam escolher o candidato a primeiro-ministro. E apesar de não dar como certo que as autárquicas possam ser uma prova de fogo para Passos Coelho, o professor universitário também não nega que podem ter consequências pesadas, especialmente no que aos resultados obtidos no concelho de Lisboa diz respeito.
Porquê candidatar-se à Câmara Municipal de Loures?
Sou originalmente de Sintra, mas há muita coisa que me liga a Loures. Primeiro porque vivo no Parque das Nações que, antigamente, pertencia ao concelho de Loures, depois porque fui estabelecendo uma proximidade a nível da vida pessoal e a nível profissional. Aliás, o meu casamento foi celebrado em Loures. Loures é o concelho com que tenho maior ligação neste momento em todos os níveis.
Esta é a primeira grande aventura na política.
Enquanto cabeça-de-lista, sim. Já faço parte do PSD desde os meus 17 anos. Fiz parte da comissão política distrital de Lisboa da JSD, estive praticamente em todas as campanhas eleitorais autárquicas do meu concelho, mas enquanto cara de uma candidatura é a primeira vez.
Estou convencido de que houve um acordo nacional para que Loures continue nas mãos do PCPE porquê concorrer em coligação?
Bom, Loures é neste momento o único concelho da área metropolitana de Lisboa que está nas mãos do PCP e isso na verdade é paleolítico, não faz sentido que uma área do concelho de Lisboa, com os níveis de modernidade, turismo e visibilidade que Lisboa tem hoje, esteja nas mãos de uma coligação liderada pelo Partido Comunista. A conjugação de forças entre o PSD e o CDS é, além de possível, necessária para derrubar este muro que o PCP colocou em Loures.
Aliás, estou convencido de que houve um acordo nacional para que Loures continue nas mãos do PCP. Só assim é que compreendo a escolha desta candidata do PS. Acho que Loures se tornou de tal forma importante para o PCP que vão fazer tudo o que é possível e impossível para o manter. E quando assim é, é preciso que as outras forças se unam.
Em que é que se concretiza este muro que refere?
Ao entrar-se no concelho de Loures dá ideia de que se está a entrar numa zona cinzenta, ao nível da União Soviética dos anos 60/70. O primeiro problema é mudar esta imagem, mas para isso é preciso ter aceitação para o fazer. Se eu tenho um complexo ideológico e prefiro manter o concelho fechado sobre si próprio, não o consigo fazer.
Há também a ausência de políticas reais como por exemplo a atração de empresas para o concelho. Eu percebo: um dirigente comunista não está muito interessado em trazer novas empresas e, consequentemente, novas pessoas para o concelho, não lhe interessa eleitoralmente. Mas não há outro caminho senão este se queremos fazer de Loures um exemplo de turismo e tem imensa potencialidade para isso. Não posso ter um concelho que queira apostar no turismo se não der às pessoas que vivem nesse concelho condições para lá viverem e trabalharem.
Vejo o Governo cada vez mais enlameado em questões fundamentais como foi o caso em Tancos e os incêndios
Considera que Bernardino Soares tem a favor o facto de o PCP fazer parte da Geringonça?
Acho que as pessoas sabem distinguir o que se passa a nível nacional do que se passa a nível local até porque olham para outros concelhos e fazem a comparação. As pessoas não são parvas. Eu não estou nada convencido de que nestes próximos meses o fazer parte de um dos partidos da Geringonça vá ter esse efeito positivo.
Vejo o Governo cada vez mais enlameado em questões fundamentais como foi o caso em Tancos e os incêndios. O Governo estava em estado de graça porque ainda não tinha tido qualquer contratempo de verdade. A partir do momento em que começaram a surgir problemas a sério viu-se o que aconteceu. Não sei se daqui a uns meses fazer parte dos partidos da Geringonça vai ser uma grande mais-valia para Bernardino Soares.
Quando pertencemos a um partido é para o bem e para o malO facto de ser o candidato do PSD e do CDS numa fase de baixa popularidade pode prejudicá-lo?
Acredito que os eleitores têm maturidade suficiente para distinguir cada projeto. Não posso esconder que a popularidade do partido pelo qual concorremos acaba por afetar as decisões a nível local. Mas sou militante do PSD há muitos anos e nunca me passaria pela cabeça candidatar-me como independente. Quando pertencemos a um partido é para o bem e para o mal.
Nos tempos do professor Cavaco Silva ele perdia sempre as autárquicas e ganhava sempre as legislativasAcha que Pedro Passos Coelho tem condições para continuar a liderar o PSD em caso de uma hecatombe eleitoral?
As autárquicas são autárquicas, as [eleições] nacionais são nacionais. Nos tempos do professor Cavaco Silva ele perdia sempre as autárquicas e ganhava sempre as legislativas. É evidente que se o resultado for muito mau, se houver uma hecatombe eleitoral – que eu não acredito – temos de fazer uma reflexão. Todos os militantes e dirigentes vão precisar de fazer uma reflexão sobre os resultados e sobre o que é que se passa a nível nacional e aqui admito que o resultado em Lisboa possa ter uma particular influência.
A campanha em Lisboa já devia estar mais mobilizada e na ruaA candidatura a Lisboa não começou da melhor maneira…
Acho que a campanha em Lisboa já devia estar mais mobilizada e na rua. Há aqui o risco de ficarmos para trás do ponto de vista mediático, da mensagem e até de estrutura de campanha. Este não foi um processo que tenha deixado os militantes muito tranquilos. Durante muito tempo o partido esteve com o Pedro Santana Lopes na liça para poder ser o candidato, depois falou-se em José Eduardo Martins, depois falou-se em José Eudardo Moniz… foi uma sucessão de nomes que acabou por deixar fragilizado a candidata [Teresa Leal Coelho] que surge no final e que é uma escolha pessoal do líder. O processo assim conduzido vai colocar uma grande responsabilidade em Pedro Passos Coelho por ter sido uma escolha com cariz muito pessoal.
Acha que o PSD precisa de uma cara nova?
A tentação imediata é dizer que sim. A verdade é que não só houve uma vitória nas eleições de 2015, como nós ainda não tivemos outro ato eleitoral que permita fazer esse raciocínio. Acho que no dia 1 de outubro talvez possamos fazer uma aferição mais global do impacto que isso pode ter. Aí sim, já com dados mais concretos os militantes e dirigentes devem fazer uma reflexão sobre se é ou não útil mudar de líder. Mas a verdade é que sempre que houve oportunidade de disputar a liderança ninguém o fez, por isso, não sei se os militantes estão assim tão convencidos de que é preciso mudar.
Acho que o tempo de eleições primárias deve chegar ao PSD para que o partido possa abrir-se à sociedadeNão estão convencidos ou estão à espera que Passos Coelho se fragilize ainda mais?
A ideia que tenho não é a de pessoas calculistas que estejam à espera de que caia o poder para se poderem lançar a ele. A ideia de que há aqui um sufoco partidário não é minha, mas se me perguntar se acho que é tempo de haver primárias no PSD, acho que sim. Acho que o tempo de eleições primárias deve chegar ao PSD para que o partido possa abrir-se à sociedade. Acho que o PSD nos próximos tempos vai ter de se abrir à ideia das primárias para escolher o seu candidato a primeiro-ministro.
As eleições autárquicas vão ser o fim da linha ou o início de uma nova fase?
Autárquicas são sempre autárquicas, têm um nível local que não podemos extravasar. Estou convencido de que o partido vai fazer uma reflexão sobre os resultados e, portanto, nesse sentido sim, pode ser um fim de linha e um início de outra fase, mas também pode não ser. Pode acontecer que apesar de o resultado não ser o esperado Passos Coelho se mantenha e que não haja nenhuma disputa da liderança ou pode ser que surja alguma disputa de liderança. É impossível de prever.
Se eu disser que não me passa pela cabeça vir a ser líder do PSD não estou a ser corretoEstá nos seus planos ser líder do PSD?
Se eu disser que não me passa pela cabeça não estou a ser correto. No dia em que eu entender que a liderança está a prejudicar o partido ou está a afetar o rumo do PSD eu candidatar-me-ei.
Continua a ser vítima de ameaças?
Sim e de atos e vandalismo também, mas isto tem a ver com o futebol e não com a candidatura em si.
Ponderei se valia a pena continuar nisto com o tipo e o nível de ameaças que consecutivamente recebia por ser comentador desportivoIsto nunca o fez reponderar a sua candidatura?
A questão não é só a candidatura. Desde que assumi ser comentador desportivo, o que ponderei foi se valia a pena continuar nisto com o tipo e o nível de ameaças que consecutivamente recebia. Mas entendi que voltar atrás era, não só um fracasso para mim, porque gosto de ser comentador, mas um fracasso do Estado de Direito, pois não seria permitido a um cidadão exprimir a sua opinião.
O facto de ser comentador desportivo pode prejudicá-lo na corrida à Câmara de Loures?
Tenho perfeita noção de que a maior parte das pessoas conhece-me pela parte do comentário desportivo. E quando é assim tenho receio de haver pessoas que concordam com as minhas ideias e propostas, mas que não são capazes de fazer essa distinção entre comentador desportivo e candidato. Aí tenho esse receio, mas quem sabe vários socialistas e comunistas que são benfiquistas podem desta vez pensar mais vale votar naquele que é o nosso comentador desportivo favorito [risos].
Está confiante na vitória?
Estou muito mais confiante do que quando comecei este processo. Acho que termos conseguido uma coligação foi muito positivo, demos a ideia de um movimento agregador. A nível nacional o partido está a ganhar alguma dinâmica agora, quer nas críticas ao Governo, quer na apresentação de propostas diferentes. Há um clima de grande entusiasmo e estabilidade dentro da coligação, da direção da campanha… O PSD nunca venceu em Loures, mas estou confiante de que vai ser este ano a primeira vez que o vamos fazer.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.