Apesar de nunca se ter cruzado ou trocado uma palavra com José Mário Branco, que morreu aos 77 anos, Paulo Furtado, conhecido também pelo nome artístico The Legendary Tigerman, contou à agência Lusa que pensou "muitas vezes" em trabalhar com o cantautor português.
"Pensei até no 'True' [álbum de 2014] propor-lhe fazer uns arranjos de cordas de algumas músicas e acabou por não ir para a frente e nem sei bem porquê", afirmou o músico de Coimbra, que considera José Mário Branco "uma figura maior da música portuguesa", não apenas como compositor e cantautor, mas também como produtor, apontando para os "trabalhos incríveis" feitos com Camané.
Para Paulo Furtado, José Mário Branco e o álbum "Ser Solidário" foram parte da "banda sonora" do seu crescimento e encontrava naquele músico "as poucas palavras em português com as quais" se identificava na altura.
Antes de "ser roubado para o rock", começou a ouvir o autor de "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades" com 12 ou 13 anos, por culpa de amigos "cujos pais eram mais militantes e profundamente de esquerda".
Apesar de ter começado a ouvir José Mário Branco enquanto adolescente, Paulo Furtado acabou sempre por regressar ao músico.
"Era alguém que ouvia frequentemente, a quem retornava sempre", vincou.
Em DJ 'sets' que fazia, para além de uma mala de discos onde sobressaía o rock, havia sempre espaço para diversidade e "um piscar de olhos" a outros géneros, incluindo o cantautor português, referiu.
"Durante muito tempo levava e às vezes ainda levo José Mário Branco. Há canções que fazem muito sentido para muita gente. Cheguei a acabar DJ 'sets' com a 'Inquietação'. São palavras que ainda tocam às pessoas e acho que isso tudo ainda me está muito próximo - todos aqueles sonhos e liberdade, uns que foram alcançados outros talvez nem tanto. Esse momento muito especial do pré e pós-revolução trouxe muita coisa interessante à música portuguesa", frisou.
Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco, que morreu em Lisboa, é considerado um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa, sobretudo no final dos anos 1960, quando estava exilado em França, e durante o período revolucionário.
O seu trabalho estende-se também ao cinema e ao teatro.
Compôs para peças como "A Mãe", sobre Bertolt Brecht e Maximo Gorki (levada à cena na Comuna), que daria origem a um dos seus álbuns, e para filmes como "Até Amanhã, Mário", de Solveig Nordlund, e "Três Menos Eu", de João Canijo, assim como para "Agosto" e "Ninguém Duas Vezes", de Jorge Silva Melo, que também interpretou.
Regressado a Portugal, após 25 de Abril, foi fundador do GAC, politicamente próximo da antiga União Democrática Popular (UDP), fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo e a UPAV.
Em 2018, José Mário Branco completou meio século de carreira, tendo editado um duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.
A edição sucede à reedição, no ano anterior, de sete álbuns de originais e um ao vivo, gravados de 1971 a 2004.