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"Perdi um amigo e uma referência, uma espécie de luz"

O 'rapper' Chullage afirmou hoje que, com a morte de José Mário Branco, cuja obra 'samplou' de forma exaustiva, perdeu um amigo e uma referência, uma "espécie de luz" que sempre o guiou.

"Perdi um amigo e uma referência, uma espécie de luz"
Notícias ao Minuto

20:54 - 19/11/19 por Lusa

Cultura José Mário Branco

"Perco um amigo e perco, acima de tudo, uma referência, mas, ao mesmo tempo, não perco porque vai continuar a sê-lo", disse à agência Lusa Chullage, nome artístico de Nuno Santos, que, ao longo da sua carreira, tem vindo a 'samplar' a música de José Mário Branco.

Chullage descobriu José Mário Branco quando estava na casa dos 20 anos de idade e, desde então, a música e as letras do autor de "FMI" acompanham o rapper.

"É o único artista português que sempre me influenciou e que continua a influenciar. Não foi só a música dele, mas também a pessoa. Não era só um artista que fazia letras políticas, havia uma estética na música dele. Foi sempre uma espécie de luz", contou Nuno Santos.

O rapper lembra-se do primeiro contacto com a música de José Mário Branco, a partir de um 'sample' do compositor português para um 'beat'.

A partir daí, foi descobrindo o artista.

Um dos primeiros encontros com José Mário Branco aconteceu na Voz do Operário, onde os dois músicos iam cantar, e Chullage lembra-se de lhe ter dito: "'Samplo' as tuas músicas todas".

"Ele respondeu-me: 'Não há problema, que quando saem para a rua, são do povo'. Então disse-lhe que ia 'samplar' à vontade", recorda-se, referindo que, a partir desse momento, surgiu uma amizade entre os dois.

Ao longo dos anos, foi recebendo conselhos de José Mário Branco, uma pessoa que diz ser "muito frontal e recta".

"'Chullage, a poesia é a arte da síntese', dizia [José Mário Branco], com aquela calma e sapiência dele", lembra o 'rapper', que contava às vezes com a presença do escritor de canções, às sextas-feiras, em sua casa, antes de descer para o Algarve.

Numa dessas conversas, José Mário Branco disse-lhe para "tentar vencer a monotonia do 'beat', e procurar a nossa musicalidade".

"Pôs-me a estudar tudo o que punha na música, porque no José Mário Branco aquilo está num sítio em que transcendes, está sempre a elevar-te", frisou.

Nessas conversas, não se falava apenas de letras ou de música, mas também de política.

"Foi sempre uma pessoa que eu ouvia com bastante atenção. Quando me dizia uma coisa, ficava feito em quatro, pela positiva, a pensar no que me tinha dito", refere.

"Ele ensinava como pôr a nossa música noutro espaço estético e também em como resistir. Quando estava abalado, olhava para ele, ouvia os discos dele. Estou sempre a 'samplá-lo' e 'samplo-o' imenso porque as palavras dele sempre me tocaram", vincou.

Ainda este ano, José Mário Branco esteve na casa de Chullage, onde voltaram a falar sobre música, política e letras.

"Deu-me conselhos, deu-me também na cabeça. Foi uma conversa forte", conta o 'rapper', que se lembra de uma frase dita pelo seu amigo, sobre o que é a arte: "É quando a gente ultrapassa o ego e faz a arte pela arte e não por nós".

Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco morreu em Lisboa na noite passada.

É considerado um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa, sobretudo no final dos anos 1960, quando estava exilado em França, e durante o período revolucionário. O seu trabalho estende-se também ao cinema e ao teatro.

Compôs para peças como 'A Mãe', sobre Bertolt Brecht e Maximo Gorki (levada à cena na Comuna), que daria origem a um dos seus álbuns, e para filmes como 'Até Amanhã, Mário', de Solveig Nordlund, e 'Três Menos Eu', de João Canijo, assim como para 'Agosto' e 'Ninguém Duas Vezes', de Jorge Silva Melo, que também interpretou.

'A Portuguesa', de Rita Azevedo Gomes, 'A Raiz do Coração' e 'Rio do Ouro', de Paulo Rocha, são outros filmes que contam com a sua música, assim como 'A Confederação', de Luís Galvão Teles.

José Mário Branco compôs igualmente para 'Alfama em Si', de Diogo Varela Silva, filme que se encontra em pós-produção.

Regressado a Portugal, após o 25 de Abril, foi fundador do Grupo de Ação Cultural (GAC), fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo e a União Portuguesa de Artistas de Variedades (UPAV).

Foi fundador e dirigente da antiga União Democrática Popular (UDP).

Em 2018, completou meio século de carreira, tendo editado um duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.

A edição sucede à reedição, no ano anterior, de sete álbuns de originais e um ao vivo, gravados de 1971 a 2004.

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