A exposição 'Enciclopédia Negra' foi inaugurada na Universidade Católica do Porto, a 20 de junho, e estará patente nesta faculdade até dia 4 de outubro, composta por "mais de cem retratos de personalidades negras como políticos, artistas, sambistas, advogados e engenheiros, entre outros, que foram sistematicamente invisibilizados pela história oficial". É a primeira vez, aliás, que é mostrada fora do Brasil, onde 'nasceu'.
Ao Notícias ao Minuto, a curadora Lilia Moritz Schwarcz realçou a importância desta exposição porque "mostra como as histórias que contamos são narrativas plenas de esquecimento".
"A historiografia narra ainda uma história muito europeia, branca e profundamente masculina. Na exposição trazemos não só obras, telas, esculturas de histórias negras que atuaram no nosso passado, como também trazemos as biografias. A memória tem esse papel cidadão de não deixar esquecer. Emocionar com as imagens mas também a partir das biografias, que são ceifadas e cortadas", disse.
Esta exposição tem uma história mais longa, no entanto, fazendo parte de um projeto de oito anos cujo primeiro produto foi um livro publicado no Brasil e apoiado por uma instituição chamada Ibirapitanga. Nele estão incluídas mais de 600 biografias de personalidades negras de vários contextos e estados brasileiros.
Daí partiu um projeto em colaboração com a Pinacoteca de São Paulo, onde foram convidados 36 artistas negros para escolherem algumas dessas biografias e ilustrá-las noutros formatos artísticos. "Em geral, as pessoas escolhiam por questões regionais, outras por género e sexo, ou por atuação. Tentamos influenciar para que a amostra ficasse o mais plural possível", explicou a curadora.
A exposição é um exercício de "fabulação crítica", em que, "como o arquivo é muito colonial e cheio de silêncios, sabendo-se muitas vezes a data de morte, mas não de nascimento das pessoas, porque foram mortas pela repressão", exploram-se "os silêncios do arquivo colonial".
"Não com ficções, mas com fabulações críticas", continuou Lilia Moritz Schwarcz, assegurando que a exposição "tem causado muito impacto no Brasil".
"Espero que o mesmo em Portugal. As pessoas saem muito emocionadas, tomam muito tempo porque querem ler as biografias, conhecer os artistas. O que gostaríamos é de mexer com o afeto, a sensibilidade do público, para que se abra para outras histórias e muitas expressões artísticas", disse, afirmando que as maiores dificuldades passaram por colecionar, verificar e selecionar as histórias que se verteram na exposição.
Inicialmente, o projeto juntou duas mil histórias, das quais foram selecionadas 600 para o livro e, depois, cerca de 100 para a exposição.
"O passado não é um monólito"
O diretor da Escola das Artes da UCP, Nuno Crespo, afirmou que se trata de uma "honra" ser a primeira instituição europeia a acolher esta exposição.
"Para nós é muito importante que os nossos alunos, professores e investigadores, bem como a comunidade pública que nos envolve, possam participar e conhecer todas estas obras. Pelo seu mérito artístico, mas também pela reflexão histórica que esta exposição propõe, a partir do exaustivo trabalho de investigação e curadoria de Flavio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz", continuou o docente, em declarações ao Notícias ao Minuto.
Trata-se, na ótica do professor, "uma exposição que, além de nos dar a conhecer importantes figuras históricas brasileiras que são pouco conhecidas, nos mostra que o passado não é um monólito", exigindo "um esforço de estudar criticamente os documentos do passado para, a partir de um olhar contemporâneo, compreendermos melhor o desenvolvimento histórico, cultural e social que constitui aquilo que somos hoje".
Pretende-se, também, "criar uma plataforma que permita dar visibilidade a muitas histórias esquecidas ou apagadas", realçou, explicando que "foi na preparação do programa público de atividades da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, que foi pensado com a Lilia Schwarcz e em parceria com a Universidade de São Paulo e a Princeton University, que pareceu que esta exposição poderia ser a conclusão ideal para a reflexão" que se desenvolveu durante todo o passado ano letivo.
"O nosso programa chamava-se 'Não Foi Cabral' – título de uma música da MC Carol que reflete sobre o processo de colonização do Brasil – e procurava rever os silêncios e omissões da história da arte", concluiu, refletindo que "a História é escrita pelos vencedores de processos políticos, económicos e militares, muitas vezes violentos e injustos".
Por isso, Nuno Crespo celebra que foi convidado "um conjunto muito relevante de artistas, curadores e teóricos cujas práticas artísticas e investigações teóricas têm contribuído para a alteração dos paradigmas de construção de narrativas", sendo que "a partir da inclusão dessas narrativas silenciadas" se pretende "contribuir para a criação de uma história e de uma comunidade mais completa, mais inclusiva e mais justa".
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