"Essa jovem mulher infeliz afirma que é a sua história. Se consigo compreender a tragédia dela, a minha resposta é clara: isso é completamente falso", escreveu o escritor, numa crónica publicada na terça-feira, no semanário Le Point, com o qual colabora regularmente.
"Para além da ferida aparente, não há nada em comum entre o drama insuportável desta mulher e a personagem Aube. A ferida não é única. Infelizmente, é partilhada por muitas outras vítimas. É visível. É a de centenas de pessoas", acrescentou Kamel Daoud, acusando a queixosa de ser "manipulada com o objetivo de atingir um objetivo: destruir um escritor (e) difamar a sua família".
Kamel Daoud e a sua mulher, que é psiquiatra, são acusados de terem usado, sem consentimento, a história de Saâda Arbane, sobrevivente de um massacre ocorrido durante a guerra civil na Argélia nos anos 1990, para escrever 'Houris'.
Foram apresentadas duas queixas contra o casal, uma das quais foi aceite por um tribunal. De acordo com a advogada da queixosa, Kamel Daoud e a mulher serão convocados a tribunal, em Orão, podendo ser julgados à revelia se não comparecerem.
Até agora, o escritor ainda não tinha respondido às acusações, mas a sua editora, Gallimard, já tinha denunciado "as violentas campanhas difamatórias orquestradas [contra o escritor] por certos meios de comunicação próximos de um regime cuja natureza é bem conhecida".
"'Houris' é uma obra de ficção, não é uma biografia. É a história trágica de um povo. [...] 'Houris' não revela nenhum segredo médico. A cânula [para respirar e falar], a cicatriz e as tatuagens não são segredos médicos, e a vida dessa mulher não é um segredo, como provam os seus próprios testemunhos. Basta ler o romance para perceber que não há qualquer ligação, a não ser a tragédia de um país', afirmou o autor, defendendo também a sua mulher, cujo "nome foi manchado pela difamação e pela mentira".
'Houris' venceu no dia 04 de novembro o Prémio Goncourt, o mais prestigiado da literatura francesa. No entanto, o livro não pôde ser publicado na Argélia, onde está sujeito a uma lei que proíbe obras sobre a "década negra" (1992-2002), que provocou pelo menos 200 mil mortes, segundo números oficiais.
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