Sustentabilidade, imperfeição e intencionalidade são algumas das questões assim analisadas nos trabalhos de pintura, instalação, vídeo, fotografia e escultura que a artista exibirá até 22 de fevereiro no referido equipamento cultural do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto -- sob um título inglês que significa "Uma exploração do lixo".
As obras expostas partem de duas questões que a autora portuguesa, de nome Isa Magalhães, identifica na sinopse dessa exposição de entrada livre: "Numa sociedade de consumo, que diariamente é impelida a adquirir, a colecionar, a levar para casa mais alguma coisa, 'só porque sim', o que fazemos com o excesso, com a quantidade de matéria que se vai produzindo, que se vai acumulando, num círculo vicioso de consumismo que gera produção e desejo? Somos nós que consumimos esses objetos ou são eles que, sem sabermos, nos manipulam em proveito de um desafio maior, irreconhecível, malicioso até?".
Para essa análise, Kideo Kido recorreu ao 'stock' inutilizado de empresas e fábricas, e também aos excedentes dos seus próprios projetos artísticos. Manipulando papel, cartão, plástico, tecido, vidro sintético, ferro e madeira, transformou-os: o papel sem uso foi convertido numa escultura de grandes dimensões, o vidro sintético foi aplicado num objeto interativo, as sobras de madeira converteram-se em telas para pintura e colagem de tecidos.
O potencial desses materiais para uma segunda vida foi identificado quando a artista desenvolveu um projeto comunitário em Espinho e percebeu, pela reação dos participantes ao interagirem com o lixo recolhido nas praias, que o desperdício os preocupava e tinham "vontade de transformar algo inutilizado num objeto novo".
"Nas exposições realizadas depois em vários equipamentos da cidade de Espinho, como o Centro Multimeios, a Biblioteca Municipal, o Fórum de Arte e Cultura e o Centro Azul, os visitantes não demonstraram quaisquer preconceitos com esse material reutilizado, olhando para ele como uma nova matéria artística", garantiu Kideo Kido à Lusa.
Com recurso ao que outros consideraram "dispensável", a autora concebeu então várias peças em que a matéria-prima de base ganhou novas leituras ao cruzar-se com "simbologias muito concretas de cariz social, político, económico, cultural, religioso e até sexual".
Perante o trabalho final, o público tem sabido desafiar-se: "O que as pessoas me têm dito é que estes trabalhos as ajudam a repensar, no seu dia-a-dia e até nos seus empregos, a forma como olham os materiais, levando-as a tomar maior consciência [do que está em causa] e a adaptar esta técnica [de avaliação do potencial do resíduo] a vários momentos do quotidiano".
'An exploration of trash' não é apenas sobre sustentabilidade -- é também sobre "a materialidade de texturas e objetos", no sentido literal, tátil, das superfícies em causa e no sentido lato, ao mesmo tempo social/económico/profissional, de que "brincar com os conceitos e explorar as possibilidades de perceção e intenção" é parte do processo de "transformar estes materiais em peças vendáveis".
"Cada vez mais os galeristas e compradores se interessam por esta arte, que advém de sítios menos habituais, e tenho sentido procura destes trabalhos por parte de vários interessados", explica Kideo Kido.
"O importante não é demonstrar, na essência, que o material é reciclado -- o que importa é focar a mensagem no resultado, na forma como tudo isto se transforma em algo novo. E, nisso, o facto de algo ser feito com materiais reciclados acaba, em muitos momentos, por ser um aspeto surpreendente e positivo", conclui.
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