Foi há 14 anos, em 2011, que os Trêsporcento lançaram o primeiro álbum, 'Hora Extraordinária' (com temas como 'Elefantes Azuis'), seguindo-se quase de seguida o segundo trabalho, 'Quadro', em 2012, e depois 'Território Desconhecido', em 2017. Entre estes discos, também lançaram um registo ao vivo, 'Lotação 136', gravado no Teatro Aberto em 2014.
Após o lançamento do último álbum, ainda chegaram a "gravar material para o arranque de um novo trabalho, em formato alargado, com a contribuição de músicos que acompanharam a banda em palco ao longo dos anos". No entanto, e com a chegada da pandemia da Covid-19, esse trabalho acabou por ser deixado de lado. Ainda assim, garantem em conversa com o Notícias ao Minuto, nunca estiveram propriamente afastados enquanto grupo.
Aliás - como explicaram também durante a entrevista - esse trabalho acabou por ser agora reaproveitado neste novo disco, que saíra ainda este ano.
A nossa banda só existe se formos os cinco
Estão de volta com um novo álbum, que saíra ainda este ano. Por isso, começo por perguntar o porquê deste regresso agora? Como é que sucedeu este novo 'reencontro'?
Lourenço Cordeiro (LC): Acho que não demorámos tanto tempo a fazer coisas novas porque, como para toda a gente, a altura da Covid, houve ali uns anos que passaram um bocado de pressa e nós não nos apercebemos. O nosso baterista [António Moura] estava a dizer que foi só quando viu umas das notícias que saiu entretanto, ele estava surpreendido por ter passado oito anos desde o último disco. Ele não se tinha apercebido.
Houve ali uma altura que sim, que nos apercebemos que gostávamos de fazer alguma coisa, mas não havia ninguém que estivesse a puxar por isso, necessariamente. Tivemos dois convites para tocar em, talvez, três anos, e que nos chamou a atenção para isso. Apesar de nós não termos gravado nada recentemente, nessa altura, mesmo assim, ainda haviam pessoas que nos estavam a convidar para concertos. Tivemos uma conversa sobre o que é que queríamos, se queríamos gravar coisas novas ou não. Apercebemo-nos que se a resposta fosse não naquela altura, se calhar, isso podia dizer que a banda tinha chegado ao seu fim natural.
A banda só existe connosco, os cinco. Apesar de colaborarmos com outras pessoas, não estamos muito habituados a ter composições muito fluidas. Há certas bandas que duram muitos anos, mas que, no fundo, têm um grupo de músicos que podem entrar e sair. Nós não. A nossa banda só existe se formos os cinco. E nessa altura chegámos à conclusão que sim, que todos queríamos e estávamos cheios de vontade de fazer coisas novas.
Tem demorado o seu tempo, o disco está quase todo gravado. Entretanto, saiu este single que lançámos ['Delicados']… Mas a razão foi mais o deixar passar o tempo e não haver nenhuma razão, ninguém que tivesse um conjunto de canções que quisesse gravar.
Tiago Esteves (TE): Sim, mas acrescento que, durante estes oito anos, nunca desaparecemos como banda. Somos amigos, mantivemos o contacto e, embora mais esporadicamente, continuámos a ensaiar e a fazer coisas, a desenvolver músicas… Não ao ritmo que tínhamos desenvolvido, nem com a intensidade suficiente para se conseguir juntar um conjunto de canções que merecessem ser gravadas. Mas a banda nunca desapareceu e sempre esteve com atividade.
Vocês enquanto grupo mantiveram sempre o contacto, aliás, até tinham algum trabalho preparado um bocadinho antes da pandemia, mas acabaram por achar que não fazia sentido dar continuidade…
TE: Fizemos uns testes, umas gravações, acho que foram dois temas que fomos gravar na Black Box, do CCB, na altura até se juntou a nós o João Gil… Mas acabámos por não gostar muito do resultado. As músicas que tínhamos para trabalhar também achávamos que não estavam completamente estabelecidas. Portanto, a coisa acabou por ficar ali um bocadinho morta.
LC: E depois veio a pandemia, logo a seguir.
TE: Duas dessas músicas foram reinterpretadas e vão estar neste disco que vamos lançar este ano.
Vão reaproveitar esse trabalho…
TE: Exatamente! Acabou por não ser um trabalho perdido, mas, no fundo, foi um primeiro passo para este disco que sai agora.
O estar desprendido e não ter a obrigação de gravar nada também é uma coisa que nos libertou bastante. Acima de tudo, a vontade de fazer faz com que a pessoa seja mais criativa, e a vontade de estarmos juntos também
Além de se manterem em contacto enquanto grupo e de não terem estado efetivamente separados nestes oito anos, também fizeram outras coisas a solo, como o caso do Tiago Esteves, que até lançou o segundo disco (a solo) em 2022, 'O Alpinista'...
TE: Sim, já gravei dois, mais um disco ao vivo e agora há de sair o terceiro.
E o Lourenço Cordeiro está no Luxemburgo. É por alguma razão profissional?
LC: Vivo cá há 10 anos por uma questão profissional e de família também. Quando vim para cá, achávamos que isso ia ser, ou causou um problema. Os Trêsporcento chegaram a dar vários concertos com músicos que me substituíram, e entretanto isso corria tão bem que mesmo naqueles onde eu ia eles também participavam. Portanto, a banda alargava-se. Houve ali uma altura que achámos que isso era um [problema], que a banda tinha que se reinventar porque eu já não estava aí a tempo inteiro. Mas hoje em dia, felizmente, as ligações são muito fáceis e tenho ido muito frequentemente a Portugal e participado nos ensaios, gravações…
Mas o Lourenço está no Luxemburgo também a trabalhar enquanto músico?
LC: Não. Para além da música, sou arquiteto. Vim para o Luxemburgo não tanto por mim, mas pela minha mulher e pela minha família. E continuamos cá.
Sabemos que o que soa a Trêsporcento é a música que nós os cinco fazemos em conjunto, seja o que for. Isso dá uma liberdade muito grande e o resultado é bastante mais interessante
O que é que este tempo desde o último álbum - em 2017 - em que estiveram a fazer outras coisas a solo (também) trouxe à vossa bagagem enquanto músicos, e que acrescentou neste novo disco?
TE: A bagagem foi sendo criada com os discos que gravamos. Cada disco é uma aprendizagem e é uma altura em que experimentamos se funciona ou não. Nós já vimos com os nossos discos anteriores e já com ideias de querer fazer as coisas de maneira diferente, ou testar outras coisas, ou voltar a uma fase em que, se calhar, éramos mais criativos e tínhamos menos barreiras estéticas ou coisas que adulterassem o processo criativo.
O estar desprendido e não ter a obrigação de gravar nada também é uma coisa que nos libertou bastante. Acima de tudo, a vontade de fazer faz com que a pessoa seja mais criativa e a vontade de estarmos juntos também. Como estivemos pouco tempo juntos durante estes anos, também ajuda a que a coisa surja de maneira mais orgânica. Não foi uma aprendizagem, mas acabou por ser um resultado que se vai refletir neste disco.
LC: O que o Tiago disse agora é muito importante. Houve ali uma altura - se calhar depois de termos gravado o primeiro e o segundo álbum, que foram gravados muito perto um do outro - que sempre que queríamos fazer coisas novas estávamos preocupados se aquilo soava a Trêsporcento. Muitas vezes havia qualquer coisa que nascia e depois alguém dizia: ‘Mas isso não sei se soa a Trêsporcento’. Isso é uma coisa que não nos preocupa minimamente hoje em dia, porque sabemos que o que soa a Trêsporcento é a música que nós os cinco fazemos em conjunto, seja o que for. Isso dá uma liberdade muito grande e o resultado é bastante mais interessante.
Este conjunto [de músicas] - acho que vão ser 10 canções neste disco, se elas sobreviverem todas ao corte final [risos] -, vão ser muito heterogéneas, vão haver coisas diferentes por causa disso, porque não estamos preocupados em produzir uma música que tenha um resultado pré-concebido à partida. E isso é muito libertador.
Quando o disco é gravado, seja qual for, isso não significa que aquela música esteja sedimentada para todo o infinito, elas depois ao vivo ganham vida própria
Neste novo disco têm mais liberdade e não estão tão apegados em manter o registo dos Trêsporcento…?
TE: Sim! No fundo é trabalhar as canções pelas canções, e por aquilo que nos dá gozo. Essencialmente, é aquilo que juntos achamos que resulta sem tentar perceber se aquilo vai funcionar em disco, ou se as pessoas vão gostar… O que interessa é o gozo que nos dá e a energia.
LC: Ao longo dos anos também nos apercebemos que o que nos dá mais prazer é tocar ao vivo. E, talvez por isso, há muita coisa que evolui. Quando o disco é gravado, seja qual for, isso não significa que aquela música esteja sedimentada para todo o infinito, elas depois ao vivo ganham vida própria. Até foi uma das razões que nos levou a gravar aquele disco ao vivo, depois dos dois primeiros, porque queríamos mostrar um bocado isso. Neste disco, sinto que é um conjunto de canções que nos vai apetecer muito tocar ao vivo. É uma coisa que me está a entusiasmar muito.
Dez temas completamente diferentes uns dos outros. A escrita é parecida, mas os arranjos, acabámos por ter uma interpretação específica para cada uma das músicas que vamos apresentar
Já lançaram o tema 'Dedicados', mas ainda nos falta conhecer nove canções porque, "se tudo correr bem", este novo disco será composto por dez músicas. Em termos de letras de música e de 'arranjo musical', o que podemos esperar dos próximos temas que estão para ser lançados?
TE: Acima de tudo, dez temas completamente diferentes uns dos outros. A escrita é parecida, é a minha, portanto, não varia muito de música para música o texto, mas os arranjos, acabámos por ter uma interpretação específica para cada uma das músicas que vamos apresentar. Embora, como é lógico, há denominadores comuns, que são os sons das guitarras, os próprios sons que cada um de nós tira do instrumento, e os sons que nós gostamos, porque no fundo não somos assim tão variados nas nossas escolhas.
LC: Não sei se este conjunto de canções é assim tão diferente, para nós é. Se calhar para quem ouve de fora, elas vão soar a Trêsporcento porque quando nós nos juntamos a fazer música soa a Trêsporcento. Mas pelo menos a carga emocional de cada canção é muito diferente entre as elas. E a razão pela qual chegámos [a estes anos enquanto banda] foi aquilo que foi sobrevivendo à sala de ensaio. No fundo, se calhar houve outras coisas que fizemos e que morreram porque passado dois meses parte da banda já não tinha interesse em tocar… Isto é quase como um bebé, quase como uma ninhada em que os que sobreviveram foram os que tiveram mais força para sobreviver à vontade de cinco pessoas diferentes.
TE: Sobreviveram ao tempo e à repetição.
LC: E a cinco sensibilidades - não é que sejam muito diferentes. Não somos assim tão diferentes uns dos outros nos nossos gostos musicais, mas são cinco pessoas diferentes e somos uma democracia. Tirando as letras que são feitas pelo Tiago, e sempre foram, musicalmente somos quase uma democracia absoluta. Se alguém não quer, não gosta de tocar alguma coisa, geralmente essa coisa morre.
Sou bastante otimista, acho que antes do verão o disco está acabado
Em março apostaram numa página 'fresca' de Instagram para promover este novo disco. Hoje em dia é quase crucial estarem nas redes sociais, e para vocês faz sentido estarem presentes e ativos?
LC: Quando nós aparecemos, a rede social que mais tinha crescido era o Facebook. Tínhamos uma página do Facebook e éramos muito ativos ali, e foi uma comunidade que chegou ali à volta daquilo. Agora, quando começámos a pensar como é que havíamos de promover este novo trabalho, chegámos à conclusão que houve, nestes anos, uma mudança da atenção das pessoas no Facebook mais para o Instagram, ou até para outras redes sociais que não usamos.
Sempre tivemos uma página de Instagram só que não era usada há sete ou nove anos. E agora, basicamente, fizemos um esforço para ela ter conteúdo mais interessante e é mais por aí que tem vindo até o feedback que temos tido. Portanto, acho que isso é inevitável hoje em dia.
Quais são os vossos planos, o que é que está em cima da mesa para este regresso com o novo álbum? Já têm algum concerto planeado?
TE: Concertos estamos sempre prontos para tocar, não depende de nós, depende dos convites. Não temos nada, para já, agendado em nome próprio. Ainda não estamos a pensar num concerto de lançamento do disco, isso, se calhar, mais provavelmente para o fim do ano. Diria que iremos lançar um segundo single em breve, mas ainda não decidimos qual será. Estamos a fazer o percurso natural, ir lançando as coisas, dando entrevistas como esta e ir tocar onde for preciso – e onde nos chamarem, nós vamos estar. Estamos sempre disponíveis para tocar ao vivo.
LC: A nossa energia, neste momento, está concentrada em acabar o disco. Ainda não sabemos como é que ele vai ser acabado, no sentido em que não sabemos qual é que vai ser o resultado final, sabemos o que é que temos para fazer… Neste momento queremos primeiro acabar o disco e depois logo saber.
Mas o disco vai mesmo sair este ano, ou ainda se pode alargar a data de lançamento?
TE: Sou bastante otimista, acho que antes do verão o disco está acabado. Sim, sairá ainda este ano, provavelmente depois do verão, por inteiro.
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