Peça-fado '50 Madrugadas' revisita Ary dos Santos e os dias de Abril

O 25 de Abril e a vida nos bairros típicos dessa Lisboa são revisitados pela Companhia da Esquina, através da memória de Ary dos Santos, no espectáculo '50 Madrugadas', a estrear-se no dia 24, no Museu do Fado.

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Lusa
14/04/2025 10:38 ‧ ontem por Lusa

Cultura

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De acordo com o seu criador, o ator e encenador Jorge Gomes Ribeiro, "'50 Madrugadas' é uma peça-fado", com um texto "político, social, icónico e trágico", que se articula com as canções de Ary dos Santos.

 

Gomes Ribeiro escreveu e encenou a "peça-fado", que tem interpretação de Sofia Ramos, Ricardo Abreu Raposo e Pedro Pernas, com os músicos António Martins, na guitarra portuguesa, e Pedro Saltão, na viola. O espectáculo estará em cena no Museu do Fado, em Lisboa, nos dias 24, 26, 29 e 30 de abril, e 02 e 03 de maio.

Questionado sobre esta "peça-fado", Gomes Ribeiro disse que aborda "um bocadinho aquilo que é a evocação do 25 de Abril e daquilo que são as memórias residuais, hoje em dia, a memoria afetiva que nos liga; quais são os principais legados que Ary dos Santos nos deixou, ou as lembranças típicas dos bairros, de um certo bairrismo, e faz alusão aos costumes da Lisboa da década de 1970".

Jorge Gomes Ribeiro destacou a obra de José Carlos Ary dos Santos (1936-1984) como "uma das representações mais fortes, a nível da poética, que tem a ver com tudo o que se cantou desta cidade [Lisboa]".

Para o encenador, o autor de temas como 'Amêndoa Amarga' ou 'Um beijo no Futuro', que assinou "mais de 600 canções e tem dos fados mais importantes que foram escritos até hoje como 'Um Homem da Cidade" [com música de José Luís Tinoco], do repertório de Carlos do Carmo [1939-2021], 'Meu Amor, Meu Amor', [musicado por Alain Oulman], criação de Amália Rodrigues [1920-1999], ou 'Cavalo à Solta' [por Fernando Tordo]".

"José Carlos Ary dos Santos tem uma obra importantíssima, que os intelectuais da década de 1980 bloquearam. Nunca o consideraram um poeta, chamaram-lhe letrista de canções, quando ele tem uma obra poética fantástica em três ou quatro volumes com poemas maravilhosos. E hoje em dia é considerado um dos poetas mais importantes da última fase do Modernismo", argumentou.

Sobre a construção da "peça-fado", Gomes Ribeiro disse à Lusa: "Parti da poética dele, da evocação que ele faz que toca o 25 de Abril, e isso contamina-nos a memória e relembra-nos coisas importantes, como resistência, liberdade, [a realidade de] compartilhar com o outro. Inspira-nos um bocadinho, na alma pátria, defender esta lusitanidade do Tejo, cantar o Tejo. E é algo que está intrinsecamente ligado à liberdade".

"Brinco ainda um bocadinho com o 25 de Abril, com uma série de 'slogans' e nomes que se usavam na altura, em termos rítmicos. Os cantores fazem isso muito bem. Brinca-se um bocadinho com alguns costumes, com a guerra que a Natália [Correia] tinha com o Ary, apesar de serem grandes amigos - aquilo era uma relação amor/ódio, discordavam da estrutura poética em que cada um escrevia. Ela era uma mulher declaradamente política e crítica, ele era crítico, mas tinha um lado jocoso, ao que ela chamava 'publicismo' poético".

Tudo isto faz com que '50 Madrugadas' seja "um texto que retrata o lado passional da poesia sobre as canções", afirmou.

O encenador e autor realçou a característica da poesia de Ary dos Santos, "reconhecida hoje pelos músicos e escritores": "Tinha um dom matemático e natural, de conseguir escrever as letras de modo a que as sílabas tónicas acentuassem nos compassos fortes da música", realçou.

Além de Carlos do Carmo, Amália Rodrigues e Fernando Tordo, outros cantaram poemas de Ary dos Santos, como Tonicha, Simone de Oliveira e Paulo de Carvalho.

Quatro canções com poemas seus venceram o Festival RTP da Canção: 'Desfolhada' (1969) e 'Menina' (1971), 'Tourada' (1973) e 'Portugal no Coração' (1977).

Sobre o festival de 1971, a escritora e jornalista Maria Teresa Horta escreveu: "Pelo menos, três poemas de José Carlos Ary dos Santos [no concurso} é já uma garantia de qualidade a que estamos pouco habituados".

Na sua crónica na revista 'Mundo da Canção', Maria Teresa Horta acusa "a pateada registada" contra Ary, que considerou "mais do que má educação", sublinhando a qualidade literária do poeta: "Foi índice bem grave de ignorância: mais do que 'falta de chá', foi bem significativo a determinar uma certa mentalidade... José Carlos Ary dos Santos, ao subir ao palco, estava a ser vaiado... E é então que dá vontade de perguntar: mas afinal vale a pena? E é então que nos lembramos do ditado: 'Dar pérolas a porcos'...".

O elenco escolhido de '50 Madrugadas' é "resultado de anos de trabalho", disse o encenador, que trabalhou com todos os intérpretes em anteriores produções. Com Pedro Pernas, por exemplo, trabalhou em produções de musicais nos teatros Villaret e Armando Cortez, em Lisboa, com que fez digressões, como 'Frankenstein', a partir do romance de Mary Shelley, 'Conto de Natal', de Charles Dickens, e 'Pinóquio', de Carlo Collodi.

"Com Sofia Ramos trabalhei ainda mais", disse Gomes Ribeiro, destacando essa "voz promissora" que lançou o álbum de estreia, 'Tudo o Que Não Sei', há cerca de um mês. Entre outros musicais, Sofia Ramos participou em 'A Loja dos Brinquedos', de sua autoria e de José Guilherme, assim como em 'Frankenstein' e 'Pinóquio'.

Ricardo Abreu Raposo, "um músico de excelência", começou com Jorge Gomes Ribeiro nos projetos pedagógicos, e participou em 'Terror e Miséria do III Reich', de Bertolt Brecht,

Leia Também: 25 de Abril. A Tragédia de Aristides Inhassoro mostra sangue menos falado

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