Ana Bispo Ramires, especialista em psicologia do desporto, assume que as mudanças que a pandemia de covid-19, que suspendeu os campeonatos, trouxeram "para todos" se estendem aos jogadores, sobretudo àqueles que tiverem "um traço de ansiedade mais marcado" na personalidade.
Esses vão "viver este tipo de situações com mais ansiedade", até porque os atletas poderão considerar que o regresso configura um contexto de risco, no qual devem sentir-se mais ou menos protegidos consoante a resposta institucional e pessoal.
"A forma como este risco é percebido, ou intensificado, também resulta, muitas vezes, da experiência prévia e dos traços de personalidade do atleta. [...] Uma regulação clara, e, acima de tudo, procedimentos de segurança bem explícitos do que é o comportamento individual dos jogadores, do que devem fazer, resultará certamente num retorno à prática percebido como mais seguro", afirma.
Na opinião da psicóloga, "desde que possa ter passado para os atletas o respeito dos clubes" pelas medidas de segurança, será possível ter-se "algum controlo sobre respostas de ansiedade".
Numa situação "anómala", para a qual "ninguém estava preparado", as primeiras jornadas de regresso vão implicar "algum nível de adaptação dos mesmos a estas novas condições", de controlos de segurança e higiene muito mais rígidos a estádios sem adeptos.
"Isso há de causar algum nível de estranheza, que é diferente de atleta para atleta", comenta Ana Bispo Ramires, que explica que a adaptação será tão rápida quanto maiores forem "os recursos emocionais de cada um".
Ainda assim, e com mais de uma dezena de casos positivos, em clubes como Famalicão, Vitória de Guimarães, Moreirense, Belenenses e Benfica, "a perceção de que o vírus já está na classe pode aumentar os níveis de ameaça percebida".
No domingo, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) revelaram o parecer técnico da Direção-Geral da Saúde (DGS) para o regresso do futebol do primeiro escalão depois da suspensão devido à pandemia de covid-19.
Deste parecer constam a realização de dois testes à covid-19, um 48 horas antes do jogo e outro o mais perto possível do encontro, e o dever de se manterem em recolhimento domiciliário, podendo apenas sair para treinar ou jogar.
No primeiro ponto do parecer lê-se que "a FPF, a LPFP, os clubes participantes na I Liga e os atletas assumem, em todas as fases das competições e treinos, o risco existente de infeção por SARS-CoV-2 e de covid-19, bem como a responsabilidade de todas as eventuais consequências clínicas da doença e do risco para a Saúde Pública".
Depois da divulgação deste parecer, pelo menos três jogadores do FC Porto e um do Sporting manifestaram desagrado com o mesmo nas redes sociais.
Sobre este ponto, que prefigura "uma corresponsabilização de todos os atletas", Ana Bispo Ramires explica que esta pode "resultar em mais um elemento de proteção".
"Irei para dentro de campo muito mais tranquila se souber que todos os que ali estão sabem que são responsáveis pelos erros que possam cometer", atira.
A existência de "algum nível de ansiedade caso não haja uma perceção de segurança dentro do balneário" pode, por outro lado, não aparecer, e, no seu lugar, surgir "uma espécie de compromisso ainda mais forte dentro daquele grupo", primeiro em cada balneário e depois enquanto classe profissional.
"Uma coisa quase tribal. 'Vamos todos fazer isto, temos de nos proteger e às famílias'. Isto é algo que os treinadores podem aproveitar. Depois, também um compromisso que deve existir e ser fomentado entre a classe", refere.