"Vínhamos acompanhando esse debate na Assembleia da República, que contou com todos os partidos políticos com assento parlamentar e várias entidades desportivas. Na altura, houve reflexos de alguma contestação, sobretudo por parte de representações de Grupos Organizados de Adeptos (GOA). Por isso, não ficámos de todo surpreendidos", reconheceu à agência Lusa o presidente do organismo estatal, Rodrigo Cavaleiro.
A criação do cartão do adepto decorreu de recentes alterações ao regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos eventos desportivos, tendo a respetiva portaria sido publicada em Diário da República em junho de 2020.
"Visando alguns desses grupos, é natural que sintam que a medida lhes é mais dirigida e pretendam de alguma forma contestá-la. Vemos isso com alguma naturalidade naquilo que é também o exercício dos seus próprios direitos, embora falemos de uma lei que foi aprovada na Assembleia da República sem votos contra e é para cumprir", ressalvou.
Válido por três anos e em vigor a partir desta época, o cartão pode ser requisitado por qualquer pessoa acima dos 16 anos e concede acesso em competições profissionais ou consideradas de risco elevado a zonas geralmente associadas à presença de claques e destinadas à utilização de bandeiras, tarjas, instrumentos sonoros e outros acessórios.
"O que está em causa na perspetiva do legislador é definir claramente uma zona onde determinados comportamentos e uma forma de estar mais efusiva fiquem confinados a uma área específica, que é definida pelos clubes. Isto sem afetar outras áreas ditas comuns, onde habitualmente se associa uma forma de estar mais familiar", descreveu.
Segundo uma nota divulgada pelo Governo há um ano, a nova medida vai favorecer "o registo e a identificação dos seus titulares para efeitos de dimensionamento e de gestão do acesso às zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos".
O cartão, cuja aplicação foi adiada uma época devido aos efeitos da pandemia de covid-19 e efetivou-se em 2021/22, ajudará ainda "à verificação em tempo útil das decisões judiciais e administrativas que impeçam determinadas pessoas de aceder aos recintos".
"Não olhamos para a medida como única e absolutamente miraculosa na resolução dos problemas, mas algo que o legislador entende ser importante, tal como muitas outras medidas tomadas na altura, incluindo a própria criação da APCVD", vincou Rodrigo Cavaleiro, nomeado pelo Governo para liderar o organismo em novembro de 2018.
O arranque dos dois campeonatos profissionais do futebol português no início de agosto assinalou o regresso generalizado de público aos recintos desportivos ao fim de 17 meses, com uma lotação máxima de 33%, sujeita a atualização nos próximos meses.
"A partir do momento em que possam estar com aquela que era a sua habitual assistência, é antecipável um número de situações em que a APCVD, os tribunais e a justiça desportiva serão chamados a intervir face a situações sinalizadas pelas forças de segurança. Será necessário um esforço maior, mas estaremos preparados para dar respostas céleres", afiançou o também oficial da Polícia de Segurança Pública (PSP).
Rodrigo Cavaleiro ilustrou essa prontidão com uma "situação muito mediatizada" de um incidente ocorrido durante a vitória do FC Porto no terreno do Famalicão (2-1), em 15 de agosto, em jogo da segunda jornada da I Liga, a partir de um auto de notícia da PSP.
"Tratou-se uma situação de ofensas de um adepto a outros dois. A medida de interdição de acesso cautelarmente foi aplicada pela APCVD face a esse auto por contraordenação levantado. Esta quarta-feira tivemos conhecimento de que a notificação foi cumprida com êxito, com a colaboração da Guarda Nacional Republicana (GNR)", finalizou o vice-presidente do Comité do Conselho da Europa dedicado à segurança nos espetáculos desportivos.