"A emissão de títulos de dívida pela Comissão Europeia, à semelhança do que já fez no passado, garantidos por novos recursos, como as taxas sobre o carbono e a economia digital, proporcionariam uma solução para o financiamento para a recuperação económica, que pelo seu volume poderia basicamente ser um plano Marshall", disse em entrevista à Lusa o ex-ministro do Governo de Passos Coelho.
Segundo as regras dos tratados, a União pode emitir títulos de dívida, mas para conseguir o volume de financiamento necessário, necessita de garantias dos Estados devido aos constrangimentos do seu orçamento.
"Essas garantias equivalem a 20% do montante global de financiamento, o que, no caso, rondaria os 100 mil milhões de euros", explicou Poiares Maduro.
Com a opção proposta, não seria preciso pedir garantias aos Estados-membros, não tendo estes que desembolsar qualquer montante. Por outro lado, os Estados não teriam que se endividar para fazer face aos custos da recuperação, defendeu.
"Pelo contrário" -- destacou o professor -- "havendo um acordo sobre os novos recursos, estes seriam alocados à garantia dessa emissão de dívida no âmbito de um programa da Comissão em matéria de auxílio relativo à Covid-19".
"As taxas de carbono e digital facilmente pagariam os juros e amortizariam a divida e, depois, podiam servir para aumentar o orçamento no futuro", adiantou
A solução seria, pois, 'um três em um': "Permitiria superar o atual bloqueio entre os Estados do norte e do sul da Europa [que ficou patente no último Conselho Europeu], dar-se-ia um passo em frente em matéria de recursos próprios, cujo formato já está a ser discutido na UE, e não se aumentaria o endividamento dos Estados", afirmou o ex-ministro.
A ideia da emissão de títulos de dívida para solucionar a crise já foi sugerida expressamente pelo ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio, e aventada pelo presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), Klaus Regling, numa entrevista ao jornal Financial Times, a 31 de março.
No passado, a Comissão Europeia já emitiu dívida que serviu para apoiar alguns Estados no período de emergência, como a Irlanda.
A novidade da proposta de Poiares Maduro é a garantia ser assegurada por recursos próprios. "Às vezes, a forma de conseguir um acordo é aumentar o âmbito do desacordo, para permitir ter mais variáveis e conseguir o 'trade-off' para todos", disse.
Em qualquer situação, tem de haver sempre um acordo dos Estados: "ou aceitam a dívida conjunta, ou não aceitam 'coronabonds' e o MEE com o seu mecanismo de condicionalidade, ou optam pela solução de financiamento de divida emitida pela Comissão, assegurada através de novas garantias oferecidas pelos Estados, ou através de novos recursos próprios".
A rapidez da solução só dependeria do tempo da tomada da decisão, isto é, desse acordo entre os Estados. Os títulos poderiam estar no mercado em alguns meses.
O professor é da opinião que o programa de auxílio aos Estados deveria ser feito através de um apoio direto da União às empresas e cidadãos, através de subsídios diretos, por exemplo, a fundo perdido. Os subsídios seriam dirigidos pelas autoridades nacionais de gestão dessas verbas.
Segundo Poiares Maduro, a justificação para esse apoio seria a intervenção da União para defesa do mercado interno.
"A UE mitigaria os custos das empresas e trabalhadores mais afetados pela disrupção do funcionamento do mercado interno que as restrições à liberdade de circulação resultante da crise da Covid-19 e da sua resposta estão a criar", disse.
"A vantagem de um programa deste tipo para países como Portugal é que não aumentaria o endividamento de cada um. Estou a pensar num programa temporário, de um ano, que correspondesse ao orçamento europeu atual", afirmou o ex-ministro.
No conjunto, resumiu, estariam à disposição dos Estados vários tipos de financiamento: o que resultasse da emissão dos títulos da dívida pela União e o que proviesse da própria emissão de dívida pelos Estados junto dos mercados.
"Penso que seria suficiente para fazer face à crise, mediante o acesso ao mercado garantido pela bazuca do Banco Central Europeu, que permite juros baixos, e o apoio direto não implicando endividamento", concluiu.