"As pessoas são a base do sistema democrático e a ação para preservar a sua dignidade é elemento indissociável do contrato social que rege os estados democráticos avançados", lê-se na versão preliminar do plano de recuperação económica pedido pelo Governo a António Costa Silva.
Segundo o consultor, o reforço do setor social torna-se ainda mais premente no contexto atual, em que a pandemia da covid-19 "evidenciou a importância de uma rede social eficaz, articulada e com os recursos necessários para enfrentar crises de origem diversa".
Nesse sentido, no documento são propostos um conjunto de programas de investimento que permitem responder a problemas desde a habitação social à proteção dos mais idosos.
No âmbito da habitação social, o consultor sugere a criação de um programa de recuperação do edificado devoluto e de um outro programa de construção de habitação social, alertando que estas se devem inserir em meios residenciais existentes.
"A vulnerabilidade diferencial ao contágio na presente pandemia veio demonstrar, uma vez mais, a necessidade de suprir com urgência as debilidades no acesso à habitação, hoje um importante fator de desigualdade social e segregação territorial", defende Costa Silva.
No documento, intitulado "Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030", o consultor recomenda, por outro lado, a criação de um programa de ampliação e requalificação da rede de cuidados a idosos, que preveja também a identificação, requalificação e legalização condicionada dos estabelecimentos da rede existente.
A par deste apoio à população mais velha, Costa Silva alerta que a modernização da economia, que se pretende com o plano de recuperação, poderá colocar numa posição mais vulnerável os trabalhadores menos qualificados, em particular os mais velhos.
"Recuperar a economia modernizando-a profundamente, mobilizando os mais recentes avanços tecnológicos e qualificando os postos de trabalho, contribuirá para aumentar o desemprego estrutural entre uma população com idade e formação de base dificilmente passíveis de requalificação", ressalva.
É neste sentido que Costa Silva aponta a necessidade de apoiar a manutenção de alguns postos de trabalho menos qualificados em atividades com procura social e a criação de emprego social em determinadas áreas, de forma a permitir a inclusão profissional e social de trabalhadores menos qualificados, de todas as idades.
"Estes postos de trabalho devem ser criados pelo Estado, central e local, mas deve haver também um sistema de incentivos às empresas que se disponibilizarem para participar no programa", acrescenta.
O capítulo dedicado ao setor social refere ainda uma outra área que, segundo Costa Silva, merece atenção no plano de recuperação económica, por constituir igualmente um domínio da desigualdade social: a desigualdade escolar.
Para a área da educação, é proposto um programa de apoio social a estudantes em todos os graus de ensino, desde o básico ao superior, de forma a "estimular e assegurar o acesso ao ensino das crianças e jovens de famílias mais carenciadas, e contrariar a tendência para o abandono e diminuição de estudantes que se revela em cada crise económica e social".
O documento sugere também a criação de um programa de rejuvenescimento do corpo docente, que passa, em parte, por um programa de reformas antecipadas negociadas com os professores mais idosos, e, por outro lado, propõe o reforço da formação de professores, desde a formação de base à formação contínua.
Ainda em matéria de desigualdade escolar, o consultor do executivo recomenda um programa de requalificação e modernização da rede de escolas, que preveja a correção de localizações segregadas, a melhoria das condições de trabalho e de estudo e a modernização de infraestruturas tecnológicas.
No início de junho, o Governo confirmou que António Costa e Silva tinha sido convidado para coordenar a preparação do programa de recuperação económica e que este tinha aceitado esse convite "como contributo cívico e 'pro bono'".
Segundo o Governo, o objetivo era que o trabalho preparatório estivesse concluído quando o Governo aprovasse o Orçamento Suplementar, altura em que o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, assumiria a "direção da elaboração do programa de recuperação".