"Aquela ideia que, às vezes, passa no mercado de que o setor segurador está a ser beneficiado porque tem uma baixa de custos já não é verdade. Podia ser [assim] no final de junho, mas cada mês que passa demonstra que, de facto, estamos numa situação preocupante", afirmou hoje o presidente da APS em declarações à agência Lusa.
Neste contexto, José Galamba de Oliveira considera "extemporânea" a proposta do PCP para a criação no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) de uma contribuição extraordinária sobre o setor segurador, já que "assenta sobre pressupostos que eram os resultados do final de junho, quando não chega olhar para esse período".
"Temos de olhar para a totalidade do ano e, na totalidade do ano, a realidade já é outra. Nós não estamos a ser beneficiados. Temos capacidade de gerir as crises, tal como gerimos no passado, mas não faz sentido penalizar o setor com medidas que se poderiam justificar-se o setor estivesse a ser beneficiado, mas não está. Numa situação em que o setor também está a ser afetado, pensar agora em criar uma contribuição extraordinária parece-me uma situação extemporânea", reiterou.
Tendo por base um relatório da consultora McKinsey, a associação refere que, "a nível mundial, a indústria seguradora foi a terceira com maior queda -- atrás da aviação e da hotelaria, dois setores diretamente ligados ao turismo - e atualmente regista uma recuperação mais lenta em relação a outros setores".
Para a APS, esta é "uma tendência global que começa a evidenciar-se a nível nacional", prevendo-se que "o cenário deverá agravar-se ao longo do próximo ano".
Segundo José Galamba de Oliveira, "os dados da indústria seguradora relativos ao mês de setembro de 2020 revelam que o setor foi fortemente afetado pela pandemia, o que se reflete já no agravamento dos custos dos sinistros em Portugal", onde "alguns ramos registam um crescimento dos custos superior ao verificado em 2019, nomeadamente os seguros de multirriscos (+33%), de doença (+2%), de assistência no automóvel ou de crédito".
Paralelamente, a produção de seguros apresenta "uma redução significativa em termos homólogos, com destaque para o ramo Vida, onde a quebra atinge mais de 40%", embora neste caso não seja impactada pela pandemia, mas pela menor atratividade dos PPR-Planos Poupança Reforma num contexto de baixas taxas de juro.
"Estão a vender-se menos seguros do que há uns meses atrás, o que também se percebe. Por exemplo, o seguro de acidentes de trabalho é uma carteira importante nas seguradoras, que está muito ligada à empregabilidade, e portanto se o desemprego aumenta, os seguros diminuem, o que já estamos claramente a notar mês após mês", afirmou o presidente da APS.
Segundo Galamba de Oliveira, os seguros de acidentes de trabalho são aliás, "dos vários ramos, o que neste momento tem uma quebra mais acentuada em comparação com os meses homólogos do ano passado".
Além destes indicadores, a APS afirma que o impacto da crise económica no setor é visível na "redução significativa nas carteiras de investimento das empresas de seguros, de quase 4% face ao final do ano anterior", assim como na diminuição do rácio de cobertura do Requisito de Capital de Solvência (SCR) na ordem dos 6%, cifrando-se agora em 179%.
Outro dos aspetos a considerar são as moratórias, cujo prazo foi prolongado para 31 de março de 2021.
Segundo o presidente da associação, "no total são cerca de seis milhões os contratos que foram impactados e sofreram algum tipo de negociação com a seguradora, ou através da moratória, ou por uma redução do prémio por redução sinistro, ou porque a atividade diminuiu.
E se "as seguradoras têm vindo a acomodar isto nas suas contas", o facto é que, avisa, "há muita preocupação quanto ao que possa estar pela frente".
"Não sabemos, de facto, o que é que vai acontecer em 2021 e se vai haver ou não mais ondas desta crise pandémica. Como muitos outros setores, temos um grau de incerteza muito grande pela frente e, à medida que a crise económica se aprofunda, estamos preocupados com este crescimento de custos", sustenta Galamba de Oliveira.
Embora garanta que o setor segurador português "é bastante resiliente" e "sempre teve a capacidade de dar resposta às crises que enfrentou", a APS avisa que só com "prudência" será possível garantir "capacidade de resposta para o aumento da sinistralidade que vier pela frente".
"O setor foi e vai constituindo algumas reservas que lhe permitem enfrentar este tipo de situações, mas, como em todos os outros setores em Portugal que estão a ser muito afetados, os vários 'stakeholders' (autoridades, reguladores, supervisores, etc) têm de ter em atenção que temos de ser muito prudentes na gestão das reservas e da nossa indústria", salientou.
Para o presidente da APS, o impacto da pandemia no setor tem assim "de ser analisado a um horizonte mais alargado" e nunca apenas com base nos números do primeiro semestre: "No mínimo, temos de ver o que se está a passar no final deste ano e mesmo em 2021, porque infelizmente a crise pandémica e a crise económica não vão terminar no final do ano. Olhar só à fotografia de como o setor estava a 30 de junho não deve ser um argumento para se criar uma contribuição extraordinária", remata.
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