"A pandemia pôs em evidência que a saúde é um bem fundamental e que representa uma parte importante das condições de vida das pessoas. No fundo até representa rendimentos", afirmou.
Para Carvalho da Silva, a qualidade da saúde da população depende de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) "forte, dinâmico, capaz de responder às necessidades" dos cidadãos.
"É uma ilusão pensar que os sistemas privados de saúde resolvem o problema da saúde da população, em geral", sustentou o investigador.
"Há muito o uso desta expressão: ´A pandemia provocou ruturas na sociedade´. Não! A pandemia pôs em evidência o enviesamento da especialização produtiva do país e as contradições em relação a uma série de políticas. Mas a não existência de respostas adequadas é que pode provocar ruturas na sociedade", defendeu.
Na opinião do ex-dirigente sindical, as ruturas surgirão, a prazo, se não houver "um reforço grande" de investimento no SNS: "Estivemos às portas de isso acontecer".
De acordo com Carvalho da Silva, é necessária idêntica aposta na área da educação. "Se não houver agora capacidade para um investimento forte no sistema de ensino, que ajude à recuperação das perdas que grande parte dos jovens e das crianças tiveram e, em particular os mais desprotegidos, teremos uma rutura, com aprofundamento de desigualdades, com mais dificuldades", referiu.
"O mesmo em relação à Segurança Social. Tivemos a utilização do 'lay-off' para aguentar atividade, para aguentar muitas empresas. O Governo foi buscar à Segurança Social milhões e milhões de euros. O seu orçamento precisa de ser recomposto, sob pena de a prazo termos uma Segurança Social que entra em colapso", preconizou o académico, que colabora com o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
"As ruturas são uma ameaça. O que foi até agora colocado perante todos nós foi a evidência de um défice estrutural crónico, que é este enviesamento do sistema produtivo nacional", observou.
Desafiado a antever se a estrutura social do país vai mudar, nomeadamente com o impacto da pandemia na classe média e outros setores, Carvalho da Silva respondeu que neste momento há ainda "muitas interrogações".
"Ainda não é possível [saber], ainda vivemos tempos de emergência e de exceções, falar do futuro como se a base, o lastro do futuro fosse a realidade que estamos a viver é um erro, porque o tempo que estamos a viver é de exceção e é de emergência", considerou Manuel Carvalho da Silva, que coordena atualmente a iniciativa COLABOR -- Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social.
Segundo o sociólogo, a atual situação leva as pessoas a "muitas cedências e a muitos sacrifícios" que, "em situações normais" não podem continuar.
Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março.
No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.
A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade laboral e provocou aumento do desemprego.
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