"A invasão da Ucrânia pela Rússia travou qualquer postura mais restritiva da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) para refrear a inflação. A atual inflação na zona euro é resultado de um choque da oferta", disse Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, em declarações à Lusa.
O economista recorda que os preços das energias têm respondido por mais de metade da subida da inflação na zona euro, pelo que considera que "o aumento das taxas de juro não iria travar a procura rígida dos combustíveis fósseis e da eletricidade e penalizaria o crescimento económico".
"Numa altura de crescente receio de estagflação, ou seja, de estagnação económica associada a inflação elevada, o BCE deverá optar por adiar a subida das taxas de juro, proteger a economia e permitir inflação acima do objetivo dos 2% por algum tempo", antecipa.
No entanto, a alta incerteza em torno da guerra levanta dúvidas entre os analistas sobre o calendário para a subida das taxas de juro na zona euro.
Teresa Gil Pinheiro, economista do BPI, adianta à Lusa que "atualmente o mercado espera um aumento de 25 pontos base ainda este ano", enquanto "esperava duas subidas de 25 pontos base antes de 24 de fevereiro", quando a Rússia invadiu a Ucrânia.
"O nosso cenário incorpora uma subida de 25 pontos base no final deste ano e duas no próximo, mas a incerteza em torno deste cenário deve ser claramente sublinhada, porque é agora bastante mais elevada", refere a economista.
Por seu lado, Paulo Rosa sublinha que, "perante a agudização do conflito no leste europeu, a normalização da política do BCE foi adiada, e não se espera subida dos juros pelo banco central da zona euro em 2022".
Para o economista do Banco Carregosa, se o conflito na Ucrânia se agravar e a economia europeia entrar em recessão, o banco central "poderá manter, ou mesmo acelerar, a sua política de estímulos monetários à economia".
Ainda assim, alerta que as divergências no seio do banco central da zona euro podem "aumentar entre aqueles que defendem uma política monetária mais restritiva no combate à inflação e os que advogam uma postura que proteja o crescimento económico".
Os analistas do Goldman Sachs assinalam também que o BCE enfrenta o compromisso "entre agir muito cedo ou muito tarde, à medida que se aproxima do ponto de viragem na sua orientação política".
Numa nota de 'research', divulgada recentemente, os analistas do banco antecipam que a instituição liderada por Christine Lagarde deverá enfatizar o acompanhamento dos dados económicos para estabelecer compromissos de calendário nos próximos meses.
Nas atas da reunião de fevereiro, após a qual a presidente do BCE, Christine Lagarde, deixou a porta aberta a uma subida das taxas de juro ainda este ano, o BCE refere que o Conselho de Governadores considerou que era crucial conduzir a política monetária de forma "gradual e flexível".
No entanto, a reunião ocorreu antes do agudizar do conflito na Ucrânia, com os analistas a esperarem mais sinais sobre o futuro da política monetária na zona euro na reunião desta quinta-feira.
Em 03 de fevereiro, o BCE manteve as taxas de juro, em mínimos históricos.
A principal taxa de refinanciamento também permaneceu em 0%, a taxa aplicada aos depósitos em -0,50% e taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez em 0,25%.
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