Em comunicado à Lusa, a associação de lesados Privado Clientes indica que os dois últimos relatórios foram apresentados em abril de 2022 e referem-se à atividade dos primeiro e segundo trimestres de 2021 e que, desde então, não prestou contas da sua atividade.
"Ou seja, os incumprimentos pela Comissão Liquidatária permanecem. O atraso atual é de um ano e meio, sendo certo que estão em falta, ao menos, seis relatórios trimestrais: a comissão liquidatária tem o dever de apresentar os relatórios do terceiro e quarto trimestre de 2021 e, quanto aos trimestres do ano de 2022, cumpre dizer que nenhum relatório foi apresentado", lê-se na informação enviada pela Privado Clientes à Lusa.
Os lesados lembram que, desde o início do processo, em 2011, "não houve um único [relatório] que tenha sido apresentado dentro do prazo legal" e que no início os relatórios tinham atrasos, mas eram apresentados separadamente, conforme obriga a lei, já a partir do terceiro trimestre de 2013 passaram a ser apresentados em conjunto, sendo vários visados pela comissão de credores num único dia. Para a Privado Clientes tal é também uma "irregularidade".
Em novembro de 2018, recordam os lesados, a Comissão Liquidatária foi mesmo intimada pelo tribunal a apresentar os relatórios e "então tratou de anexar vários outros relatórios que estavam em atraso", isto quando - refere - o atraso "já abeirava ao absurdo de 40 meses entre o período de referência do 19.º relatório e a data em que foi finalmente apresentado ao processo".
Em outubro de 2019, houve novo despacho do tribunal tendo então a Comissão Liquidatária apresentado "mais oito relatórios que estavam atrasados, todos de uma só vez, no mesmo dia em que foram visados pela Comissão de Credores, quando já transcorriam 32 meses de atraso desde o 1.º trimestre de 2017".
Já em setembro de 2021, referem os lesados, foram apresentados mais oito relatórios, novamente visados numa única data pela comissão de credores. Desde abril de 2022 não há novas entregas, o que constitui incumprimento, afirmam os lesados do BPP.
"Apesar das denúncias e dos requerimentos da Privado Clientes e da Liminorke no processo principal, que surtiram certo efeito na apresentação dos relatórios entre o final de 2021 e início de 2022, facto é que, atualmente, já existe um atraso/incumprimento considerável, visto que o último relatório apresentado em abril de 2022 (42.º relatório) se refere ao longínquo segundo trimestre do ano de 2021", denuncia a associação que junta lesados do BPP.
Os lesados do BPP têm estado em rutura com a Comissão Liquidatária, porque consideram que não faz devidamente o seu trabalho, arrasta o processo há 12 anos, se quer perpetuar nos cargos à custa de credores e não é transparente (não presta a informação devida).
Em setembro de 2021, após uma manifestação de lesados do BPP em Lisboa, a Comissão Liquidatária fez um anúncio no jornal Expresso em que disse que há 6.000 credores que têm a receber quase 1.600 milhões de euros, dos quais 450 milhões de euros são créditos garantidos (do Estado), 950 milhões de euros de créditos comuns e 200 milhões de euros de créditos subordinados.
Já os ativos líquidos, aquando da liquidação do banco, valiam 700 milhões de euros, pelo que o BPP tinha uma situação líquida negativa de 900 milhões de euros, "o que resulta, desde logo, na impossibilidade de satisfação integral de todos os créditos comuns reconhecidos", avisou a Comissão Liquidatária.
A associação que junta clientes lesados pelo BPP pediu em início de 2022 a destituição da Comissão Liquidatária. Já o maior credor privado do BPP, a Liminorke, pediu a destituição da atual de Comissão de Credores. Contudo, para já, não há qualquer decisão do tribunal. Os lesados defendem ainda que haja já pagamentos aos credores, mesmo que parciais.
Em setembro passado, a Privado Clientes considerou mesmo que os lesados poderão acabar por "não receber nada ou praticamente nada" caso venha a acontecer o pagamento "injustificado" de juros ao Estado por parte da Comissão Liquidatária (no valor estimado de 160 milhões de euros). Segundo os lesados, este valor a somar aos custos de funcionamento que tem a própria comissão liquidatária desde o início da liquidação do BPP (entre 40 e 50 milhões de euros) poderão levar a que nada sobre para os lesados.
O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, começou com a crise financeira de 2008 e culminou em 2010. Apesar da pequena dimensão do banco, a falência do BPP lesou milhares de clientes e o Estado, tendo ainda tido importantes repercussões devido a potenciais efeitos de contágio ao restante sistema quando se vivia uma crise financeira.
O fundador e antigo presidente do BPP, João Rendeiro, e outros ex-administradores do BPP foram acusados de crimes económico-financeiros ocorridos entre 2003 e 2008, na sequência de se terem atribuído prémios e apropriado de dinheiro do banco de forma indevida. João Rendeiro morreu em 12 de maio de 2022 numa prisão na África do Sul, onde estava desde 11 de dezembro de 2021, após três meses de fuga à justiça portuguesa para não cumprir pena em Portugal.
A Comissão Liquidatária do BPP, nomeada pelo Banco de Portugal, entrou em funções em maio de 2010, sendo então presidida por Luís Máximo dos Santos, o atual vice-governador do Banco de Portugal. Atualmente é liderada por Manuel Mendes Paulo, quadro do Banco de Portugal.
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