Depois de o ministro da Defesa italiano, Guido Crosetto, ter feito esta semana duras críticas à decisão do anterior Executivo em aderir à iniciativa, aguarda-se uma decisão formal da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, sobre a não renovação do acordo com Pequim por mais cinco anos.
"Foi um ato improvisado e atroz", disse Crosetto, em entrevista ao jornal Corriere della Sera. "Exportamos um monte de laranjas para a China, enquanto [os chineses] triplicaram as exportações para Itália nos últimos três anos", acrescentou.
A questão agora para Roma é como voltar atrás sem prejudicar as relações com a segunda maior economia do mundo: "A verdade é que a China é um concorrente e, ao mesmo tempo, um parceiro", notou o ministro.
Noah Barkin, especialista nas relações Europa-China da consultora Rhodium Group, observou que a "Europa vê cada vez mais a China como um concorrente, rival e desafio, e menos como uma oportunidade económica, que é como costumava ver".
No entanto, o dilema manifestado por Crosetto - como reduzir dependências sem danificar as relações com Pequim - é comum a vários lideres europeus.
Yun Sun, diretor do programa para a China no Stimson Center, observou que a saída de Itália constituiria uma "grande humilhação" para Pequim. "Julgo que os chineses vão ficar muito ofendidos, se Itália anunciar publicamente a sua intenção de se retirar [da iniciativa]", acrescentou.
Liana Fix, especialista em assuntos europeus no grupo de reflexão ('think tank') Conselho de Relações Externas, argumentou que "só porque todos [na Europa] concordam que é necessário reduzir riscos [face à China], isso não significa que haja um consenso sobre o que isso realmente significa".
O projeto internacional "Faixa e Rota" inclui a construção de portos, linhas ferroviárias ou autoestradas, criando novas rotas comerciais entre o leste da Ásia e Europa, Médio Oriente e África.
O maior relacionamento entre Pequim e os países envolvidos abarca um incremento da cooperação no âmbito do ciberespaço, meios académicos, imprensa, regras de comércio ou acordos financeiros, visando elevar o papel da moeda chinesa, o yuan, nas trocas comerciais.
Lançada em 2013, pelo Presidente chinês, Xi Jinping, a iniciativa simboliza uma mudança na política externa da China, de um perfil discreto para uma postura mais assertiva, que inclui o uso de coerção económica ou militar para avançar com a agenda diplomática de Pequim.
Esta "postura agressiva" da China levaram Estados Unidos, Europa ou o Japão a percecionar a China como uma "ameaça", apontou Susan L. Shirk, autora de "Overreach: How China Derailed Its Peaceful Rise" e professora na Escola de Política e Estratégia Global da Universidade da Califórnia, à agência Lusa.
"A política de cerco e contenção foi autoimposta por Pequim, como resposta aos excessos da política externa chinesa", defendeu Shirk.
Muitos países consideram também que os resultados da cooperação com a China ficaram aquém das expectativas.
"Em 2019, havia expectativas irracionais sobre o que aquele acordo poderia trazer para Itália, mas [a adesão] acabou por não gerar grandes vantagens", afirmou Noah Barkin.
As exportações italianas para a China permaneceram praticamente estáveis, enquanto o investimento estrangeiro direto chinês no país afundou.
Desde que Pequim lançou a iniciativa "Faixa e Rota", dois terços dos membros da União Europeia, principalmente países do leste, aderiram ao programa, visando aproveitar o investimento chinês e impulsionar o crescimento económico.
Em 2018, Portugal tornou-se o primeiro país da Europa Ocidental a assinar um memorando de entendimento no âmbito da iniciativa, durante a visita a Lisboa de Xi Jinping. No ano a seguir, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa participou, na capital chinesa, na 2.ª edição do Fórum Faixa e Rota para a Cooperação Internacional.
Também no caso português, a maioria dos investimentos realizados pela China no país, num total de mais de 10.000 milhões de euros e envolvendo os setores energia, eletricidade, banca ou saúde, precedem à assinatura do memorando.
O défice de Portugal nas trocas comerciais com a China, entretanto, quase triplicou, de 1.692 milhões de euros, em 2018, para 4.914 milhões de euros, no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística.
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