Embora as ações e as obrigações em dólares da Evergrande sejam transacionadas em Hong Kong, a esmagadora maioria dos seus ativos, avaliados em 242 mil milhões de dólares (224 mil milhões de euros), estão no continente chinês. A liquidação ordenada pela juíza Linda Chan depende assim da vontade das autoridades chinesas.
"Boa sorte na execução", reagiu Anne Stevenson-Yang, fundadora da J Capital Research, empresa de pesquisa de mercado focada na China, citada pelo jornal The Guardian.
Um resultado desfavorável para os investidores estrangeiros arrisca-se a exacerbar o pessimismo em relação à China e a comprometer o papel de Hong Kong como praça financeira de referência para as empresas chinesas angariarem fundos.
O lançamento por Pequim de uma campanha regulatória contra a indústria privada, incluindo os setores imobiliário, educação ou tecnologia, suscitou já preocupação entre os investidores de que os seus interesses serão sempre secundários em relação aos planos do Partido Comunista.
O índice da Bolsa de Valores de Hong Kong que reúne empresas do continente chinês, o Hang Seng China Enterprises, caiu esta semana para o seu nível mais baixo desde 2005. As vendas por investidores estrangeiros de ações cotadas na China continental ascenderam, em 2023, a 29 mil milhões de dólares (quase 27 mil milhões de euros), uma queda de 87% no investimento estrangeiro líquido. Em janeiro as vendas ascenderam a 2 mil milhões de dólares (1,85 mil milhões de euros).
George Magnus, economista e associado da Universidade SOAS de Londres, advertiu que os detentores de obrigações estrangeiros vão ser "deixados ao abandono".
O Governo chinês "não quer certamente dar prioridade à compensação das perdas dos credores estrangeiros em detrimento dos cidadãos nacionais", considerou Magnus. "Na medida em que alguém vai pagar um preço, serão os detentores de obrigações estrangeiras", disse.
Citado pela agência Bloomberg, Brock Silvers, diretor executivo da empresa de capitais privados Kaiyuan Capital, considerou também que a "ordem de liquidação deve ter um impacto imediato muito limitado nas operações ou nos ativos da Evergrande situados no continente chinês".
"Embora o liquidatário possa provavelmente exercer controlo sobre ativos 'offshore', a sua autoridade não será reconhecida 'onshore'", disse.
O termo 'offshore' refere-se a uma zona financeira que não está sujeita à legislação do país onde a empresa tem os seus ativos e operações.
A China assumiu a administração de Hong Kong em 1997, atribuindo à antiga colónia britânica o estatuto de Região Administrativa Especial, à luz do princípio "um país, dois sistemas", com um elevado grau de autonomia. O Governo chinês atribuiu o mesmo estatuto ao território vizinho de Macau, em 1999, após mais de 400 anos sob administração portuguesa.
Ao abrigo daquele arranjo, Hong Kong e Macau funcionam sob sistemas jurídicos separados da China continental.
A Evergrande foi fundada em 1996 em Cantão, a capital da província chinesa de Guangdong, mas foi o mercado de capitais de Hong Kong e o acesso a investidores internacionais que impulsionaram o crescimento da empresa.
Na década que se seguiu à entrada da Evergrande na bolsa, as suas ações subiram 800%.
Em 2021, no entanto, os reguladores chineses passaram a exigir às construtoras um teto de 70% na relação entre passivo e ativos e um limite de 100% da dívida líquida sobre o património, visando desalavancar o setor.
Isto suscitou uma crise de liquidez. Com um passivo de 300 mil milhões de dólares -- superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal -- o grupo perdeu acesso ao crédito e entrou em incumprimento.
Na segunda-feira, o gigante imobiliário chinês e as suas duas filiais cotadas em Hong Kong suspenderam a negociação das suas ações, minutos após o tribunal ter ordenado a liquidação do grupo. As ações da Evergrande estavam então a ser negociadas a 16 cêntimos de dólar de Hong Kong (0,02 euro) cada, uma queda de quase 99,5% em relação ao seu pico de 31,55 dólares de Hong Kong (3,72 euros), em outubro de 2017.
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