"A indignação generalizada contra os impostos propostos sobre bens como os pensos higiénicos e o petróleo, num país onde a evasão fiscal das empresas é endémica, deve ser um alerta para o Governo queniano e para o FMI de que não podem sacrificar os direitos em nome da recuperação económica", afirmou Sarah Saadoun, investigadora principal sobre pobreza e desigualdade na HRW, num comunicado.
Desde 18 de junho, o Quénia tem sido palco de uma série de protestos em massa, nos quais dezenas de milhares de pessoas rejeitaram um projeto de lei controverso que teria aumentado alguns impostos e introduzido outros novos, como o IVA sobre o pão e produtos de saúde.
O Governo pretendia angariar 2,7 mil milhões de dólares (2,48 mil milhões de euros) para reduzir o défice orçamental e o endividamento do Estado, no âmbito do programa concebido pelo FMI para apoiar a resposta do Quénia à covid-19 e a outras crises, como secas e inundações.
Embora o Presidente do país, William Ruto, tenha acabado por retirar a iniciativa legislativa, as mobilizações continuaram e transformaram-se em protestos antigovernamentais, com a última convocatória de protestos para hoje, que tiveram menos adesão, mas em que a polícia voltou a lançar gás lacrimogéneo contra os manifestantes.
A HRW salientou que o Governo queniano "tem outras opções" para angariar fundos e melhorar a confiança do público, através de "reformas fiscais para melhor aplicar as regras fiscais existentes, resolver a má gestão e aumentar os impostos sobre os mais ricos".
"Os governos e as instituições financeiras que os apoiam devem responder às crises económicas de uma forma que proteja e promova os direitos" e "não agrave a pobreza e a desigualdade", afirmou a organização.
As medidas recomendadas pelo FMI para reduzir a despesa pública e aumentar as receitas do Estado, alertou a HRW, aumentam frequentemente o custo de vida e "prejudicam os direitos humanos" ao resultarem em cortes na saúde, educação e proteção social, entre outros.
Perante a pressão popular, Ruto anunciou na quinta-feira passada a dissolução de todo o seu Governo, com exceção do ministro dos Negócios Estrangeiros e do vice-primeiro-ministro, depois de ter anunciado uma série de medidas de austeridade no dia 05 de julho.
Ao contrário dos protestos antigovernamentais que o Quénia tem vivido historicamente, que são violentos e conduzidos por líderes políticos, estes protestos não têm líderes oficiais e são organizados por jovens da chamada "geração Z" (nascidos entre meados da década de 1990 e a primeira década do século XXI).
Desde o início dos protestos, em 18 de junho, a resposta das forças de segurança, que dispararam gás lacrimogéneo, balas de borracha e até munições reais contra os manifestantes, pelo menos 50 pessoas foram mortas, anunciou hoje a Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Quénia (KNCHR), um organismo oficial mas independente. O anterior balanço dava conta de 39 mortos.
Pelo menos 361 pessoas ficaram feridas e foram registados 32 casos de desaparecimentos forçados, segundo o organismo de vigilância.
As organizações de defesa dos direitos humanos criticaram a polícia por utilizar uma força desproporcionada e por disparar munições reais contra os manifestantes.
Esta é a pior crise de Ruto desde que chegou ao poder, em setembro de 2022.
O Quénia, um aliado próximo do Ocidente, destaca-se como uma das economias de mais rápido desenvolvimento em África, mas as desigualdades persistem e um em cada três quenianos sobrevive com apenas dois dólares por dia, segundo o Banco Mundial.
Leia Também: ONU pede "apuramento claro" das responsabilidades da violência no Quénia