Numa entrevista publicada hoje pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, Clemens Fuest, diretor do instituto de pesquisa económica Ifo, de Munique, considera que "os Estados Unidos, por si só, não vão mergulhar a economia mundial numa crise, mas se o protecionismo se espalhar rapidamente na China e na Europa, haverá um grande perigo".
"Infelizmente, isso não pode ser excluído", afirma Fuest, que defende que "se todos seguirem na direção errada, poderá haver uma grande crise".
O facto de Trump ter suspendido muitas das tarifas por 90 dias não significa, acrescenta, que o perigo tenha passado.
Fuest considera que a UE deve agora fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir o avanço do protecionismo e recomenda conversações com a China, o México, o Japão e o Canadá.
"Os americanos estão a destruir a sua reputação de parceiros fiáveis. Isto é muito perigoso, porque os EUA continuam a ser a principal potência económica mundial", sublinha.
Ao contrário de outras crises, quando os investidores procuravam o dólar e os mercados norte-americanos como um porto relativamente seguro, agora as taxas de juro estão a subir nos EUA e o dólar está a descer.
"O que está a acontecer agora é uma chamada de atenção para os americanos e para a arquitetura financeira de todo o mundo. Dois terços do capital bolsista mundial estão nos mercados americanos, o dólar é a moeda de referência mundial. Se isso se desmoronar, terá consequências incalculáveis", adverte.
Fuest acredita que a queda da procura de títulos de dívida dos EUA pode ter sido o que levou Trump a fazer tréguas na guerra comercial e que é também algo que mostra que o poder dos políticos não é ilimitado, mas tem de enfrentar os limites que lhe são impostos pelos mercados financeiros.
"Quando os governos se comportam de forma errática e destrutiva, isso retira dinheiro e confiança. Os mercados financeiros são muito rápidos. Quando a confiança entra em colapso, todos os investidores sabem que têm de tentar ser os primeiros a sair. Isto pode desencadear dinâmicas perigosas com consequências imprevisíveis", explica.
No entanto, Fuest acredita que, antes de ocorrer um colapso, é possível que a Reserva Federal dos EUA (Fed) comece a comprar dívida soberana, o que traria outros problemas, como uma forte queda do dólar.
No meio da guerra comercial aberta entre os EUA e a China, a situação da Europa tem algumas vantagens, segundo Fuest. "No meio do conflito, a Europa pode exercer alguma pressão sobre os EUA, na medida em que se incline mais para a China", explica.
Por outro lado, diz, o mercado europeu é grande e atrativo e "isso é algo que Trump também sabe". Por isso, acrescenta, a Europa tem opções e isso é algo que pode fortalecer a UE.
Fuest considera correto que a UE tenha adiado as medidas de retaliação e adverte que a Europa - ao contrário da China - não só é altamente dependente dos EUA na defesa, mas também em setores importantes como a economia digital.
Questionado sobre se consegue compreender, enquanto economista, as razões que levaram Trump a desencadear a guerra comercial, Fuest responde negativamente.
No entanto, acrescenta, a explicação não está numa ideia económica, mas na forma como Trump opta por "um esquema populista clássico" de culpar os problemas internos por coisas que vêm do exterior.
"Os bodes expiatórios são os imigrantes, o comércio internacional, os mercados financeiros internacionais. Depois, são apresentadas soluções simplistas que pioram a situação", explica.
Fuest salienta que existe também uma outra teoria, segundo a qual Trump quer favorecer aqueles que lucram com a instabilidade, mas acrescenta que não tem dados que reforcem essa hipótese.
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