Endometriose. "Um dos mitos é o de que é normal ter dor na menstruação"

Março é o mês da consciencialização da endometriose. Para esclarecer o bê-à-bá sobre esta doença, falámos com um especialista em ginecologia-obstetrícia.

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Ana Rita Rebelo
23/03/2022 08:20 ‧ 23/03/2022 por Ana Rita Rebelo

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Doenças

A dor que não dá tréguas e que é atribuída 'àquela altura do mês' não é normal. Essa aflição não é ser-se mulher. "A dor menstrual é o principal sintoma da endometriose", esclarece José Reis, especialista em ginecologia-obstetrícia, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.

Em Portugal, estima-se que 10% das mulheres em idade fértil sofram de endometriose, uma doença crónica, benigna, ainda sem cura. Uma resolução da Assembleia da República (n.º 74/2020, a 17 Agosto 2020) chegou a recomendar ao Governo a adoção de medidas para um diagnóstico e tratamento precoces da endometriose. No entanto, até ao momento, nada foi feito.

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No sentido de alertar para esta doença 'silenciosa', a apresentadora de televisão e empresária Raquel Prates anunciou, nas redes sociais, que iria submeter-se, no passado dia 17 de março, a uma "histerectomia total com excisão de todas as lesões". Por outras palavras, quer isto dizer que nunca poderá ter filhos. 

O especialista José Reis não esconde que "a taxa de infertilidade é maior" em mulheres com endometriose. Contudo, sublinha que, "com tratamento correto, muitas das mulheres com endometriose conseguem ultrapassar a infertilidade".

Existem diversas teorias que tentam explicar a doença, mas nenhuma foi ainda aceite de forma inequívoca

O que é a endometriose?

É uma doença inflamatória crónica que se define pela presença de células endometriais, próprias da cavidade uterina, em localizações fora do útero. 

As causas da doença são conhecidas? 

Apesar de muitos anos de investigação, os fatores que desencadeiam a endometriose não são conhecidos. Existem diversas teorias que tentam explicar a doença, mas nenhuma foi ainda aceite de forma inequívoca. A teoria da menstruação retrógrada (teoria de Sampson) é a mais antiga e mais conhecida para tentar explicar a origem da endometriose. De uma forma simplista, defende que a implantação de células endometriais na cavidade abdominal resulta do refluxo dessas células da cavidade uterina para a pélvis através das trompas, durante a menstruação. 

Notícias ao Minuto José Reis© DR

É possível a endometriose?

Não há atualmente nenhuma forma eficaz de prevenção conhecida.

O que dizem os dados sobre a prevalência da doença em Portugal?

A prevalência exata da endometriose é desconhecida, mas as estimativas variam entre dois e 10% na população geral, mas que pode ir até aos 50% nas mulheres que sofrem de infertilidade. Não temos estudos específicos da nossa população. No entanto, extrapolando os dados, serão entre 200 a 250 mil as mulheres portuguesas que sofrem de endometriose.

A dor menstrual é o principal sintoma da endometriose

Qual é a principal manifestação da endometriose?

Os sintomas típicos da endometriose consistem em dor menstrual e dor nas relações sexuais, sobretudo se associados a história de infertilidade.

A que outros sinais devem as mulheres estar atentas e que, porventura, podem passar despercebidos ou ser confundidos?

Outros sintomas que também podem ocorrer, embora menos frequentes, são dor ao urinar, dor ao evacuar, perda de sangue na urina ou nas fezes, sobretudo se coincidentes com a menstruação e acompanhadas de dor.

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As cólicas do período podem ser, de facto, um sintoma?

A dor menstrual é o principal sintoma da endometriose.

A utilização da pílula pode 'mascarar' a doença?

Há um número significativo de casos em que os sintomas da endometriose surgem quando a mulher interrompe a pílula para tentar uma gravidez. No entanto, não é licito afirmar que a pílula 'mascare' a doença. A pílula é uma arma terapêutica valiosa no controlo da dor menstrual e na regularização dos ciclos menstruais em algumas adolescentes. Além disso, é um método contraceptivo de enorme mais valia ao reduzir o risco de gravidez indesejada nesta faixa etária. 

De que forma se pode aliviar os sintomas?

O controlo dos sintomas da endometriose passa, essencialmente, por analgésicos e anti-inflamatórios para controlo da dor ou medicação hormonal para controlo da progressão dos focos de endometriose, progestativos isolados, combinações de estrogénios e progestativos ou medicamentos que atuam ao nível da hipófise. A medicação hormonal tem como efeito diminuir os níveis circulantes de estrogénios, reduzindo a estimulação das células de endometriose. Em algumas situações, resistentes à terapêutica médica, pode haver necessidade de cirurgia para remoção dos focos de endometriose.

Quando é que se deve consultar um médico?

As mulheres que apresentem os sintomas típicos da endometriose, nomeadamente dor menstrual, sobretudo se for de controlo difícil com analgésicos, e dor nas relações sexuais, devem consultar um médico ginecologista.

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Como é que é feito o diagnóstico?

O diagnóstico assenta em três pilares. Primeiro, uma história clínica cuidada e explorando os sintomas típicos da doença. Segue-s a observação ginecológica feita por um médico com experiência, a qual permitirá o diagnóstico de nódulos de endometriose profunda que afetem o recto ou a bexiga. Dentro dos exames de diagnóstico, os mais utilizados são a ecografia e a ressonância magnética pélvica.

E quais os tratamentos disponíveis? Podemos falar de 'cura'?

Tratando-se de uma patologia crónica, a endometriose não tem cura definitiva. Contudo, na generalidade dos casos deixa de ser sintomática a partir da menopausa, fase da vida da mulher em que diminui significativamente o nível das hormonas femininas em circulação, que são os principais estímulos dos focos de endometriose. O controlo dos sintomas da endometriose passa por analgésicos e anti-inflamatórios para atenuar a dor ou medicação hormonal para controlo da progressão dos focos de endometriose, nomeadamenteprogestativos isolados, combinações de estrogénios e progestativos ou medicamentos que atuam ao nível da hipófise. A medicação hormonal tem como efeito diminuir os níveis circulantes de estrogénios, reduzindo a estimulação das células de endometriose.

Outro mito é o de que esta doença está invariavelmente ligada à impossibilidade de engravidar

A endometriose está, muitas vezes, associada à infertilidade nas mulheres. É possível engravidar?

Efetivamente a prevalência da endometriose pode ir até aos 50% nas mulheres que sofrem de infertilidade. Existem dois fatores principais que ligam a endometriose com a infertilidade. Um deles é a distorção anatómica provocada pelas aderências na cavidade abdominal, típicas da endometriose. O compromisso dos órgãos pélvicos pelas aderências pode condicionar obstrução das trompas e gerar dificuldade no transporte dos óvulos ao longo da trompa. O outro fator é o ambiente inflamatório induzido pelos focos de endometriose. A inflamação pode induzir modificações no útero e condicionar contrações das  paredes deste órgão, o que afeta a implantação dos embriões. Tendo em conta estes fatores, é mais frequente nas mulheres com endometriose o recurso a tratamentos de infertilidade.

Há riscos?

A endometriose pode variar de formas mais ligeiras, em que apenas existem implantes superficiais no peritoneu, uma membrana que recobre a cavidade abdominal, até formas mais graves, com invasão profunda de órgãos. Nas formas mais graves, caso não seja feito um tratamento adequado, podem ser envolvidos outros órgãos existentes na cavidade pélvica, como por exemplo o intestino (recto ou sigmóide), levando ao aparecimento de sangue nas fezes ou obstrução intestinal ou a bexiga e ureteres, condicionando dilatação e perda da função dos rins. Uma das classificações mais utilizadas (classificação da Sociedade Americana de Medicina da Reprodução) classifica a endometriose em quatro estádios consoante o grau de invasão dos órgãos. 

Leia também: Endometriose: quando as dores menstruais são sinal de doença

Perante o diagnóstico, que outros medos referem as mulheres?

O medo da infertilidade, de não conseguir controlar a dor da endometriose com consequente perda da qualidade de vida, bem como o medo do compromisso de órgãos como os intestinos ou a bexiga são os principais receios das mulheres com diagnóstico de endometriose.

Quais os mitos associados à endometriose?

Um dos mitos mais frequentes é o de que é normal ter dor na menstruação ou que a dor menstrual resolve-se após uma gravidez. Este conceito, que não é correto, está disseminado não só na sociedade em geral, mas também em muita da comunidade médica menos desperta para o tema da endometriose. O outro mito é o de que esta doença está invariavelmente ligada à impossibilidade de engravidar. Ora, sabe-se que a taxa de infertilidade é maior, contudo com tratamento correto muitas das mulheres com endometriose conseguem ultrapassar a infertilidade.

Leia Também: Três perguntas e respostas sobre endometriose

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