A fibromialgia é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, comum, que se traduz por sintomas muito reais e incapacitantes: dores que podem atingir o corpo todo, cansaço extremo sem explicação e perturbações do sono, em associação com uma variedade de outras manifestações menos frequentes e relevantes. A ausência de alterações visíveis e de anomalias nas análises causa incompreensão, que agrava ao sofrimento, mas não o torna menos real nem menos impactante.
Uma observação praticamente universal na fibromialgia reside na relação estreita entre a gravidade dos sintomas e a intensidade do stress que se vai vivendo. Os doentes têm quase sempre uma maneira especial de ser e de sentir a vida que se caracteriza por preocupações permanentes, insatisfação ditada por perfeccionismo, intranquilidade persistente e ausência de serenidade. A relação é tão forte que a esmagadora maioria dos doentes que estudei, e são muitos, estima que os seus sintomas melhorariam de 80 a 100% se conseguissem atingir e manter um estado de razoável tranquilidade espiritual.
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A força desta relação torna evidente o papel que o stress desempenha no desencadeamento e sobretudo na manutenção da fibromialgia e isso é muito fácil de explicar. Torna também evidente que dificilmente será possível diminuir os sintomas da doença sem controlar o stress que a comanda. Infelizmente, esta perspetiva, que oferece a única via que conheço para sair da fibromialgia, enfrenta muitas vezes a oposição dos próprios doentes. Ao que consigo entender, as pessoas sentem que se diminui a importância da sua doença ao atribuir-lhe uma conotação psicológica, como se a psicologia fosse uma coisa menor e não o que dá especificidade e nobreza ao ser-se humano.
© José António Pereira da Silva
Parece-me, por vezes, que os doentes sentem desta forma lhe estamos a atribuir a culpa pela doença ou a responsabilidade de a resolverem sozinhos. Alguns médicos parecem pensar o mesmo! Quando dizem que 'a fibromialgia não existe - está tudo na sua cabeça' parecem entender que o doente poderia muito bem viver sem ela ou mudá-la a seu bel-prazer! Se queremos ajudar os doentes com fibromialgia é essencial mudar esta perspetiva nos doentes, nas suas famílias, nos profissionais de saúde e na população em geral.
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A nossa maneira de sentir é, essencialmente, o resultado dos nossos genes e da nossa história de vida. Não é obra nossa, e logo não nos cabe nela mérito nem culpa. A maneira de ser traduz algo tão químico e concreto com as dores ou a força muscular: o resultado dos equilíbrios de neurotransmissores que temos no cérebro. Calha-nos em sorte, na roleta dos genes e da dinâmica familiar na primeira infância, um cérebro mais positivo ou mais negativo, com o qual temos que lidar toda a vida. As pessoas com fibromialgia tiveram, na roleta dos cérebros, o azar de lhes sair um preocupado, tenso, excessivamente exigente, sobretudo consigo próprio que lhe torna vida muito mais difícil do que as outros e ainda por cima, os brinda com os sintomas da fibromialgia.
Isto retira lugar a qualquer noção de culpa no entendimento que propomos para esta doença e na orientação que advogamos para o seu tratamento: foco na construção de bem-estar e harmonia emocional. Se tivermos sucesso, conseguiremos que a fibromialgia feneça e despareça, por falta de alimento.
A maneira de ser e de sentir que origina e alimenta a fibromialgia não é culpa nem responsabilidade do doente. A sua responsabilidade não é nula, contudo: é legítimo esperar-se dele(a) que faça os possíveis para compreender o que se passa dentro de si, para abrir o espírito à importância desta conversa entre corpo e mente e, sobretudo, para assumir o compromisso de fazer o possível para encontrar formas mais harmónicas e construtivas de sentir a vida. Porque isso é possível, ainda que esteja longe de ser fácil. Porque daí resultará não apenas a melhoria ou 'cura' da fibromialgia, mas de toda a sua vida e daqueles que gostam de si. A nós, os que tivemos a sorte de escapar à fibromialgia, cabe a responsabilidade de ajudar a que isso aconteça.
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