"Trabalhamos no transplante da cabeça em secretismo. Somos ameaçados"

O neurocirurgião italiano Sergio Canavero, que se propõe a realizar o primeiro transplante da cabeça em seres humanos, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

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Filipa Matias Pereira
04/11/2019 09:30 ‧ 04/11/2019 por Filipa Matias Pereira

Mundo

Sergio Canavero

Aclamado pelos pares pelo percurso ímpar na neurocirurgia, mas severamente criticado pela comunidade científica internacional, Sergio Canavero fez ‘soar os alarmes’ e despertou a curiosidade dos mais céticos quando, em 2017, anunciou que estava pronto para realizar o primeiro transplante da cabeça em seres humanos.

A ousadia científica, que muitos apelidam de ficção, valeu-lhe o epíteto de 'Dr. Frankenstein dos tempos modernos'. Será que os ensaios que o neurocirurgião tem realizado em cadáveres humanos e em animais vivos integram apenas a narrativa de um clássico romance ficcional como o de Mary Shelley? Ou terá o cirurgião de Turim um ADN visionário e, em cada ensaio, tem dado um passo rumo ao futuro da transplantação? O Notícias ao Minuto quis conhecer o ‘cérebro’ por trás da inovação que promete revolucionar o mundo da medicina e romper paradigmas.

Em 2017, Sergio Canavero anunciou ao mundo que, em cooperação com o cirurgião ortopédico chinês Xiaoping Ren, estava pronto para realizar um transplante num ser humano, depois de ter concluído com sucesso o ensaio num cadáver. O tema fez correr muita tinta na imprensa internacional, mas desde então o cirurgião desapareceu dos ‘holofotes’ e não há ainda uma declaração oficial que garanta que o transplante foi realizado. Foi apenas divulgado em março deste ano um vídeo em que os cirurgiões mostravam que animais submetidos ao transplante da cabeça tinham voltado a andar. E os ânimos no seio da comunidade científica voltaram a 'fervilhar'. 

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o especialista explica que, desde então, há progressos e que tem estado a trabalhar em total “secretismo, num local que não pode revelar porque tem sido alvo de ameaças.

Muito se tem igualmente especulado sobre o voluntário para o transplante, Valery Spiridonov. O russo, recorde-se, é portador da doença de Werdnig-Hoffman, uma condição degenerativa muscular que o obriga a andar de cadeira de rodas. Valery voluntariou-se para deixar o seu futuro nas mãos da dupla italo-chinesa.  Mas Canavero esclarece que o russo só seria um candidato se a Rússia autorizasse a realização da cirurgia, o que ainda não aconteceu. 

Heaven e Gemini são nomes de código desta ‘aventura’ pela mente humana. Na verdade, são os protocolos que o italiano e a sua equipa desenvolveram para fundir a medula espinhal e, assim, levar a cabo aquele que será o primeiro transplante da cabeça em seres vivos da história da medicina. Ex-diretor do Grupo de Neuromodulação Avançada de Turim, Canavero trabalhou como neurocirurgião no Hospital Universitário de Turim durante 22 anos. Hoje concentra-se em fazer história e promete escrever mais uma página no livro da medicina. 

Quando pensou, pela primeira vez, que seria possível realizar um transplante da cabeça?

A primeira vez que pensei sobre essa possibilidade foi em 1981, estava na Escócia a aprender a velejar, o que, aliás, não consegui [risos]. Tive então oportunidade de ler um pequeno artigo sobre um neurocirurgião americano [Robert Joseph White] que transplantou a cabeça de um macaco. Fiquei impressionado porque aquele transplante era absolutamente fantástico e de alguma forma queria fazer parte dessa realidade.

Onde realizou a sua formação médica? Os médicos com quem teve oportunidade de granjear conhecimento de alguma forma influenciaram o objetivo de alcançar esse feito, realizar o primeiro transplante da cabeça em humanos?

Não, na verdade o único que me inspirou nesse objetivo foi o Robert Joseph White. Iniciei a minha formação académica em Medicina na Universidade de Turim, onde trabalhou Rita Levi-Montacini, investigadora italiana conotada pela descoberta dos fatores de crescimento das células nervosas. Isso, sim, foi inspirador e levou-me a, na década de 90, trabalhar no âmbito da degeneração neural.

Estamos a trabalhar em total secretismo algures no mundo e com outras pessoas envolvidas. Não podemos revelar os nomes ou os lugares porque temos sido ameaçados pelas mentes destes políticos que integram as universidades americanas. Chamo-lhe conspiração

Inicialmente foi divulgado que o primeiro transplante da cabeça em humanos seria realizado até ao final de 2017, mas até agora não aconteceu. Porquê?

Isso não é exatamente verdade. A realidade é que, em novembro de 2017, anunciei que tinha feito o primeiro ensaio de transplante da cabeça em cadáveres humanos e tudo estava encaminhado para que fosse realizado em seres vivos. O problema é que 24 horas depois de ter feito essa conferência, o Vaticano e uma grande parte dos académicos liberais americanos pressionaram a China [onde seria realizado o transplante]. Por isso, nem eu nem a China dissemos mais nada a respeito.

Não posso dizer em que ponto estamos quanto à realização do primeiro transplante da cabeça em humanos na China, mas posso confirmar que estamos a trabalhar em total secretismo algures no mundo e com outras pessoas envolvidas. Não podemos revelar os nomes ou os lugares porque temos sido ameaçados pelas mentes destes políticos que integram as universidades americanas. Chamo-lhe conspiração, gosto do termo.

Recordo-me que em março deste ano fizemos um anúncio onde aproveitámos para mostrar macacos e cães que voltaram a andar depois de terem sido submetidos ao transplante. E só por termos publicado um vídeo com essa informação fomos pressionados. Eles consideram [o transplante] antiético e até mesmo os economistas não ajudaram porque, em fevereiro de 2018, acusaram-me de explorar a China pelos meus interesses, o que é absolutamente falso. Não posso forçar ninguém a fazê-lo, não sou tão poderoso. Entretanto, posso dizer que desde dezembro de 2017 [quando foi feita a conferência de imprensa], há avanços, mas terei de esperar até que o ‘clima’ melhore para fazer o anúncio devido.

 Os membros das academias americanas acreditam que estamos a possibilitar a imortalidade em bilionários porque este transplante pode traduzir-se numa extensão da vida

Portanto, pode garantir que o transplante da cabeça vai ser feito, só não pode dizer quando...

Isso não pode ser revelado devido à oposição do Vaticano e da Academia Liberal. O problema aqui é político. Os membros das academias americanas acreditam que estamos a possibilitar a imortalidade em bilionários porque este transplante pode traduzir-se numa extensão da vida. Posso adiantar que em breve vamos anunciar que participaremos no ‘XPRIZE´ para a longevidade com o primeiro transplante da cabeça.

Na verdade importa esclarecer que o cirurgião chinês que trabalha comigo, Xiaoping Ren, está neste projeto para a cura das doenças neurológicas. Eu estou nele para a longevidade. Portanto, dois objetivos diferentes, mas a cirurgia é muito similar. O que realmente é inspirador é que, em agosto, o ‘XPRIZE’ anunciou uma espécie de roteiro da longevidade em doze pontos. Estou satisfeito por poder dizer que um destes pontos está relacionado com o transplante da cabeça.

No documento divulgado, a organização fala num “método para mover o cérebro de uma pessoa – com ou sem a cabeça no seu todo – para o corpo de outra (…) por mais de um ano, mantendo a consciência ou demonstrando que a consciência pode ser recuperada ao fim de algum tempo”. Isto é o chamado transplante da cabeça. Este avanço significa que, pela primeira vez, as pessoas perceberam, sobretudo depois de termos divulgado imagens de animais a andar depois do transplante, que o que diziam ser impossível, afinal, é possível, como sempre defendi. Fizemos com que fosse possível.

Em breve vamos também anunciar como é que tencionamos, neste caso da longevidade, fazer com que o corpo e a cabeça não se rejeitem sem ser necessário administrar nos doentes doses de imunossupressores. Habitualmente, os doentes transplantados têm de tomar  imunossupressores para o resto da vida. Depois de 12 anos em média, metade das pessoas transplantadas com coração, por exemplo, acabam por perder o órgão. Portanto, não poderia seguir a mesma regra. E temos alcançado avanços no domínio da imunologia. Estamos com muita esperança de conseguir que o cérebro e o corpo sejam imunotolerantes entre eles, o que significa que não serão necessários imunossupressores para a vida toda. Essa é a chave.

Pela primeira vez, as pessoas perceberam, sobretudo depois de termos divulgado imagens de animais a andar depois do transplante, que o que diziam ser impossível, afinal, é possível, como sempre defendi. Fizemos com que fosse possível

De uma forma simples, como explicaria o procedimento para realização do transplante da cabeça?

Para os profissionais já foi divulgado um artigo onde esse processo é descrito, mas de forma complicada. Explicando de forma simples, a minha ideia original era arrefecer a cabeça até aos 10/15º graus. Mas o meu amigo Xiaoping Ren não gostou da ideia porque é um cirurgião ortopédico. Por isso, sugeriu seguir outro caminho.

Para fazer o transplante é preciso ligar a circulação do dador e do recetor. E durante este processo o cérebro nunca é deixado sem oxigénio e sem glucose, já que são componentes do sangue, que está sempre em circulação. Então temos de recorrer à hipotermia leve, que corresponde a cerca de 30º [para prolongar a vida das células nervosas na ausência de oxigénio]. Para facilitar o processo, as duas mesas cirúrgicas estão muito próximas uma da outra, até porque os tubos [que fazem a ligação da circulação entre dador e recetor] não podem ser muitos longos por razões físicas. Há ainda uma bomba que facilita a circulação do sangue. 

Temos então duas mesas cirúrgicas, duas equipas a trabalhar em simultâneo que, quando estão preparadas, descartam a cabeça do dador e a cabeça do recetor é transferida para o novo corpo. É importante explicar ainda que os corpos na fase de transferência final estão numa posição sentada – padrão da neurocirurgia – porque os cirurgiões têm de trabalhar simultaneamente nos compartimentos superior e posterior. Depois, a união da medula espinhal é o último passo.

No final, o paciente é levado para os cuidados intensivos e permanece a dormir, tecnicamente em coma. Durante este período, de acordo com o protocolo Gemini, há lugar à estimulação elétrica que é aplicada enquanto o paciente dorme. Depois disso, o doente é acordado lentamente e começa a fazer reabilitação. Em 2015, prometi ao Valeri Spiridonov que ele iria conseguir andar. Não sabia se ele conseguiria correr, mas posso confirmar que o Gemini permite voltar a andar normalmente. Quanto a correr ainda estamos a trabalhar.

Posso confirmar que o Gemini permite voltar a andar normalmente. Quanto a correr ainda estamos a trabalhar

Valery Spiridonov ainda é um candidato? A informação disponível não é clara a esse respeito.

Ele nunca foi um candidato; foi voluntário. Para ele ser candidato a Rússia tinha de aceitar fazer o transplante. Valery é de complexão branca, completamente russo [no que aos traços se refere] e por isso, naturalmente, queríamos dar-lhe um corpo com essas características. Em 2015, considerámos fazer o transplante na China, mas não lhe podíamos dar um corpo típico chinês e por isso ele não poderia ser candidato. 

Mas Valery foi o primeiro que veio até mim, em junho de 2013, e voluntariou-se para o transplante. Disse-lhe então que ele poderia ser o rosto do projeto. Embora tivéssemos de considerar a hipótese de poder não ser ele a ser submetido à cirurgia, seria uma possibilidade, um dia. Ele poderia ser um exemplo para qualquer pessoa e foi, de forma brilhante. 

Notícias ao MinutoValery Spiridonov© Reuters

Alguns médicos advogam que o paciente poderá sofrer alguns distúrbios de personalidade. Discorda?

Os pacientes são analisados psicologicamente para esta cirurgia. Mas vamos dar um exemplo antes de responder à questão. Olhando para o futuro, a clonagem pode ser explorada. Vamos projetar-nos então para daqui a algumas décadas, [vamos] considerar que estamos numa clínica de clonagem e que aos 50 anos de idade é possível clonarem o nosso corpo. Isso significa que um dia poderemos ter um clone que poderá ser usado para o transplante, o problema é que se o usarmos vamos matá-lo porque desperdiçamos a cabeça. Isto é homicídio. Nós não queremos matar ninguém.

O procedimento do clone teria de ser aperfeiçoado à medida que íamos avançando para criar clones sem o cortéx [cerebral].  Obviamente que estamos no domínio da ficção científica, mas no ano passado, em fevereiro, a China anunciou que tinha clonado macacos e foi um enorme passo. Um dia, com o nosso próprio clone, não precisaremos de mais nada e não haverá problemas psicológicos porque será o nosso próprio corpo a ser usado. Mas este tema da clonagem suscita muita polémica por causa da questão ética.

Voltando à pergunta, e regressando à atualidade, para fazer um transplante, seja qual for, temos sempre de analisar o paciente. O primeiro transplante de um membro que foi realizado acabou por ser rejeitado psicologicamente. O paciente francês pediu para que o membro fosse removido. Para evitar isso é que desenvolvemos um protocolo de realidade virtual através do qual o paciente se pode imaginar com o novo corpo. 

As informações disponíveis dão conta que o primeiro macaco transplantado por Robert White morreu no espaço de uma semana. O que correu mal? Onde está, afinal, o ‘segredo’ da cirurgia?

Esse transplante foi realizado em 1970 e nessa altura os imunossupressores não funcionavam da mesma forma que funcionam hoje. Mas o macaco não morreu por imunorejeição. Na verdade, Robert White escreveu especificamente nos seus artigos que não viu sinais de imunorejeição. O macaco foi, isso sim, eutanasiado.

Robert White inspirou-me, mas eu nunca teria feito essa cirurgia, ou pelo menos dessa forma porque falamos de um macaco. Nos ensaios que realizámos foram respeitados os padrões éticos e manter os macacos vivos durante vários dias não me faria sentir bem porque eles são como nós, sofrem. Claro que os cães também sofrem, mas os macacos são primatas. Se tivesse feito essa cirurgia teria sido apenas para confirmar que o cérebro pode ser transferido de forma segura e, ao fim de algumas horas, tê-lo-ia eutanasiado.

90% do que fizemos não pode ser revelado

Para além dos ensaios em animais, já realizou a cirurgia num cadáver. Qual a perspetiva desse transplante? Acredita que o transplante da cabeça será um sucesso?

90% do que fizemos não pode ser revelado, mas posso dizer que já fizemos várias experiências em cadáveres. Antes da cirurgia temos de estar familiarizados com todos os aspetos. Nada é deixado ao acaso e isso significa que temos de praticar em vários cadáveres para que os cirurgiões desenvolvam a perícia até que tudo esteja pronto para evoluir para o passo seguinte. Já houve várias experiências em animais e em humanos. E paro por aqui [risos].

Acredito que se pode ressuscitar um cérebro seis ou talvez em 12 horas depois. (...) Em breve poderemos ver o homem a voltar a andar

Para fazer o transplante da cabeça, o recetor morre e depois volta a viver com um novo corpo. Considera-se uma espécie de ‘Deus’?

Você é que disse a palavra [risos]. Vamos falar sobre o terceiro livro que lancei e que é a terceira parte do meu projeto Heaven. Chamaram-me louco quando disse que a coluna espinhal poderia ser consertada, agora imagine se eu dissesse que esse projeto tinha três pilares [desenvolvidos agora no livro]: transplante da cabeça, transplante do cérebro, clone e reanimação cerebral. 

Quando considerei o transplante pela primeira vez, o segundo aspeto que me veio à cabeça foi a coluna espinhal e pensei: "Vais transferir uma cabeça sem circulação [o projeto ainda não tinha sido desenvolvido]. Mesmo que o corpo tenha sido arrefecido, pode haver danos”. Ao longo dos anos, publiquei vários artigos, claro que nunca disse que se referiam ao transplante da cabeça, falei sobre o dano no cérebro, ou Acidente Vascular Cerebral, coisas do género. Todavia, na verdade estava a trabalhar no que anunciei, no terceiro pilar, e que passo a explicar. 

Vamos imaginar um atleta saudável que morre de uma paragem cardíaca repentina. Cai no campo de futebol, os socorristas tentam reanimá-lo, mas falham e o óbito é declarado. A ciência irá dizer que ao fim de cinco minutos o cérebro morreu. Mas eu não concordo.

No início deste ano, ouvimos falar do neurocientista americano Nenad Sestan que tentou ressuscitar  porcos depois de terem sido decapitados, quatro horas depois. O artigo sobre o tema foi publicado, os jornais falaram sobre isso, mas ele parou onde eu estou disponível para ir e é o que estamos a fazer, em segredo, claro. 

Acredito que se pode ressuscitar um cérebro seis ou talvez em 12 horas depois. Como? Esse é o protocolo que desenvolvemos, que testámos e que se chama Extreme Brain Reanimation: The Frankenstein Effect (EBRF effect) e este é o terceiro pilar. O EBRF effect foi desenvolvido para o transplante do cérebro, mas pode ser usado noutros pacientes como é o caso do atleta, depois de testado claro.

O que é absolutamente maravilhoso é que [esta técnica] pode ser usada para ressuscitar cabeças preservadas criogenicamente. Há pessoas que não querem morrer e assim que dão o último suspiro as suas cabeças podem ser criogenicamente preservadas. Se falar com o Al Gore, ele irá dizer-lhe que temos de esperar dois ou três séculos pelo desenvolvimento da tecnologia para fazer isso. Mas eu posso dizer que este protocolo também pode ser usado nestes casos. 

Quando anunciei o protocolo Gemini para permitir o transplante, em 2013, este era considerado ficção científica, todos os cientistas disseram exatamente isso. Porém, começámos a ver ratos, cães e macacos a voltarem a andar e penso que em breve poderemos ver o homem a voltar a andar. O que era considerado impossível por toda a comunidade neurológica eu acredito que é possível, mas tudo tem de ser mantido em segredo. 

Para realizar a cirurgia vai necessitar de duas equipas, qual o custo estimado da cirurgia?

Há poucos dadores para um transplante da cabeça para a cura de condições médicas. Há quem diga que estamos a usar um corpo para uma pessoa, quando na realidade os órgãos poderiam ser utilizados para salvar várias vidas. Eles têm razão, mas nunca pensei no transplante para curar doenças, não porque não funcione, mas porque não há dadores suficientes. O meu objetivo é prolongar a vida. Portanto, quando nos referimos ao custo, eu concordo com os críticos porque, sim, algumas pessoas ricas podem beneficiar do transplante se correr bem. O problema é adquirir o corpo e é aquilo que chamam de tráfico de corpos. 

Mas o facto é que o tráfico de corpos já existe agora, por isso a questão tem de ser regulamentada. E não depende de mim, eu não sou o Super-Homem. Depende de si, da sociedade, regular o tema. Por exemplo, imaginemos que queremos manter o Albert Einstein vivo porque ele pode ter ideias novas e fazer descobertas que beneficiem a ciência. E a sociedade concorda e diz 'ok, um corpo para Albert Einstein'. Eticamente, este tema é contencioso, então é apenas um exemplo. Podemos salvar um bilionário, podemos salvar Albert Einstein, é verdade. Por isso é que a questão deve ser discutida porque, num determinado momento, as pessoas devem decidir. É que [ainda] neste século, os transplantes de cabeça vão ser uma rotina, mas para o serem têm de ser regulados.

Voltando à questão do custo, será de no mínimo um milhão de euros, menos do que imaginei inicialmente, cerca de... 10 milhões de euros.

Depois do transplante planeia reformar-se ou tem outros planos em mente?

O meu propósito de vida é o transplante da cabeça, o transplante do cérebro e a reanimação cerebral extrema. Assim que estes temas estiveram todos ‘em cima da mesa’ e esteja disponível a tecnologia necessária, vou reformar-me sem sombra de dúvida. E todos os críticos vão ficar felizes. Assim que me reformar não haverá mais ficção científica.

Os transplantes da cabeça não são terríveis, eles na verdade abrem o caminho para as estrelas porque são a única forma de conquistarmos outros planetas noutros sistemas solares muito distantesComo responde aos que o apelidam de Dr. Frankenstein?

Gosto [risos]. Tenho o livro dele e acredito que ninguém o tinha lido porque se o tivessem feito saberiam que o Dr. Frankenstein era muito ético. A certo ponto ele estava preso pela imensidão do que ele tinha feito. Na verdade ele criou uma versão feminina e matou-a porque percebeu que tinha feito algo terrível. Mas os transplantes da cabeça não são terríveis, eles na verdade abrem o caminho para as estrelas porque são a única forma de conquistarmos outros planetas noutros sistemas solares muito distantes. Só com transplantes podemos prolongar a vida dos astronautas. Que Aubrey de Gray [cientista que estuda o envelhecimento] e todos os transhumanistas me desculpem, mas não há como ajustar a bioquímica neste momento, não se pode estender a vida até ao mesmo nível que com o transplante da cabeça". 

Quando se reformar, como gostaria de ser lembrado?

Como o homem que abriu um novo caminho para a humanidade. Sempre citei Francis Bacon, o pai da ciência experimental, quando disse que o único problema que a humanidade tem é acreditar que há coisas impossíveis. Eu acredito que o impossível é uma palavra que não deve constar no dicionário. Nada é impossível, é assim que devemos pensar.

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