"O mais preocupante sobre o último episódio de conflito [na Guiné-Bissau] é que o controlo sobre a economia da droga parece ser, uma vez mais, parte do cálculo dos principais intervenientes da elite política e militar", aponta a Iniciativa Global contra a Criminalidade Transnacional Organizada (GI-TOC, na sigla em inglês), na sua mais recente análise sobre a Guiné-Bissau, datada de 11 de maio.
Com o título "Interrompendo o ciclo vicioso. A política da cocaína na Guiné-Bissau", o documento retoma a abordagem das ligações de políticos e militares com o tráfico de droga no país à luz da nova realidade em Bissau.
De acordo com a GI-TOC, com a mais recente vaga de conflitos políticos, entre finais de 2019 e princípios de 2020, "surgiram novas provas e rumores de que a cocaína continua a transitar pela Guiné-Bissau".
A análise da GI-TOC considera que a crise política de 2020, resultante da contestação dos resultados das eleições presidenciais de dezembro, tem "alguns paralelos preocupantes" com a de 2012/13, "quando os militares foram os atores centrais na proteção e participação do negócio da droga".
A GI-TOC destacou o apoio das chefias militares ao empossamento do atual chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló, em fevereiro, citando nomeadamente a presença, na cerimónia, do vice-chefe do estado-maior das Forças Armadas, Mamadu N'Krumah, e do chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Ibraim Papa Camará, referenciado como um dos implicados no tráfico de droga.
N'Krumah e Camará fazem parte da lista de sanções das Nações Unidas e da União Europeia pelo seu envolvimento no golpe de Estado de 2012, aos quais se junta o antigo chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas António Indjai, que esteve também presente na posse simbólica de Embaló.
Numa das partes do documento, com o título de "O regresso da velha guarda", os analistas destacam o reaparecimento "misterioso" no país do empresário Braima Seidi Bá, suspeito de envolvimento no tráfico de droga depois de a polícia ter descoberto, em setembro, 1.800 quilos de cocaína dissimulados em sacos de arroz num armazém alugado por uma empresa de que é proprietário.
"Seidi Bá, alegadamente em fuga sob o antigo Governo, reapareceu misteriosamente após a nomeação de Nuno Nabian como primeiro-ministro. O seu julgamento, cujo acesso foi restringido devido à pandemia, decorreu à revelia, apesar de ele se encontrar em Bissau quando a sentença foi proferida", aponta-se no documento.
Por isso, sustenta a GI-TOC, o Governo deve ser responsabilizado por uma pessoa condenada por um crime grave de tráfico de estupefacientes não cumprir pena.
"A mensagem que envia para o mundo exterior é que o Presidente e primeiro-ministro, apoiados pela elite militar, estão a proteger um grande traficante de droga", sublinha.
O relatório assinala ainda que, contrariamente à crise de 2012/2013, o foco da comunidade internacional está agora na pandemia de covid-19.
"É necessária uma resposta política mais coerente da comunidade internacional e das organizações regionais (CEDEAO e União Africana), que reconheça que o tráfico de droga é um importante motor da má governação do país, da sua instabilidade crónica e das suas limitadas perspetivas de desenvolvimento", refere a GI-TOC.
A organização reclama também uma "condenação veemente" da ocupação pelos militares das várias instituições governamentais e do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que "a comunidade internacional precisa de demonstrar mais claramente à elite política e militar de Bissau que as suas ações não poderão continuar a ter lugar impunemente".
Para os analistas da GI-TOC, a construção de um "verdadeiro e inclusivo diálogo" entre todos os líderes políticos e militares e a sociedade civil "é a única possibilidade de resolver a longo prazo os ciclos intermináveis de instabilidade" no país.
O diálogo, acrescentam, poderia assumir a forma de uma comissão de verdade e reconciliação, prevendo amnistia para os protagonistas políticos dispostos a assumir honestamente a sua participação no tráfico de droga e em outros crimes.