Agricultores em Cabo Verde entre a abundância e a luta contra pragas

Elisângela terá este ano boa colheita de milho em São Salvador do Mundo, enquanto Ruben e José combatem pragas e pedem mais chuvas em Santa Cruz e Órgãos, num ano agrícola de contrastes na ilha cabo-verdiana de Santiago.

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Lusa
04/10/2020 05:00 ‧ 04/10/2020 por Lusa

Mundo

Cabo Verde

 

Elisângela da Conceição mora em Leitão Grande, no concelho de São Salvador do Mundo, Picos, no centro da ilha de Santiago, com terras húmidas e que foi dos primeiros a receber chuvas este ano, desde o mês de julho.

Se no ano passado a colheita foi "mais ou menos", Elisângela, mais conhecida por Já, garantiu que este ano agrícola é melhor, estando os agricultores do concelho a tirar as flores do milheiral, já começaram a colher alguns feijões e a terra ainda está molhada.

"Mas acho que se chover mais uma vez garantiremos o ano agrícola", afirmou esta agricultora à agência Lusa, cuja família semeou cerca de 40 litros de milho e feijões, que foram guardados da pouca produção do ano passado.

De todas as hortas da família, Já disse que algumas foram atacadas sobretudo pela praga da lagarta do cartucho do milho e o apoio do Ministério da Agricultura e Ambiente não chegou a tempo de evitar a destruição da cultura.

Apesar disso, a moradora dos Picos regozijou-se com os campos cobertos de verde, pasto para os animais e água abundante nas ribeiras, como não se vii nos últimos três anos de seca no país.

"Temos esperanças de que vamos conseguir uma boa azágua", disse Elisângela, prevendo que até final de outubro já se possa comer milho das primeiras terras de sequeiro que foram cultivadas.

Além de São Salvador do Mundo, o milho já está a florir em alguns zonas do concelho vizinho de Santa Catarina, como se pode constatar à berma da estrada que liga a cidade da Praia aos diferentes concelhos do norte da ilha de Santiago.

Mas o mesmo já não se pode dizer de São Lourenço dos Órgãos ou Santa Cruz, onde os agricultores lutam contra as pragas de gafanhotos e da lagarta do cartucho do milho e pedem mais chuvas para ainda garantir um bom ano agrícola.

Em Rengue Purga, no concelho de Santa Cruz, o agricultor Ruben Benin, 23 anos, desdobra-se sozinho na horta da tia a fazer a coroa do milho e feijões, ainda muito pequenos, e numa terra já ressequida, dado as poucas chuvas que caíram neste concelho da zona leste da ilha de Santiago.

Nos últimos três anos, Ruben nem se deu ao trabalho de semear o milho, e este ano já tinha lançado as sementes à terra por duas vezes, e só à terceira germinaram, com as precipitações que caíram no início de setembro.

A juntar à pouca chuva, este agricultor disse à Lusa que está ainda a lutar contra as pragas, sobretudo da lagarta do cartucho, que está a atacar o milho em várias ilhas do país, tendo o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA) criado um inseto natural para o seu combate.

"A situação neste momento é esta: o milho cheio de pragas, chuva tardia, é por isso que estamos parados", lamentou o jovem agricultor, que já perdeu as contas aos prejuízos, só das duas anteriores sementeiras este ano neste concelho com terras mais áridas.  

"Tenho esperança que Deus nos acuda, nos dê chuva", pediu Ruben, que estudou até à 5.ª classe, e agora segura firme a sua enxada, que usa para trabalhar a terra e ter o seu sustento.

No município vizinho de São Lourenço dos Órgãos, o maior cartão-de-visita é a barragem de Poilão, a primeira infraestrutura hidráulica do tipo construída em Cabo Verde, financiada pelo Governo da China e inaugurada em julho de 2006.

Se há cerca de dois meses o cenário à volta da barragem era desolador, sem água, terra seca e plantas murchas, hoje o quadro é completamente diferente, com um manto verde a cobrir toda a região, a barragem com cerca de um quarto da sua capacidade, segundo os agricultores.

Os agricultores da região ainda não estão a usar a pouca água acumulada, mas José Tavares da Costa, 47 anos, deslocou-se de Librão, concelho de Santa Cruz, para cultivar terreno na albufeira da barragem, ainda contando apenas com a água das chuvas.

José Tavares disse estar mais animado com as chuvas que caíram em setembro, a aproveita para cultivar cana-de-açúcar, que poderá colher dentro de 10 meses, para produção da aguardente, tradicionalmente conhecida por grogue em Cabo Verde.

"Esperamos que Deus nos dê mais uma ou duas chuvas para a barragem encher, para ficarmos mais contentes", pediu o agricultor, que este ano já não vai semear o milho, por causa da praga da lagarta que está a invadir as culturas.

"Não compensa", notou, desanimado, o agricultor, indicando que em muitas zonas o milheiral já foi devorado, e as autoridades não conseguem combater a praga em todos os sítios da ilha de Santiago.

A barragem, que beneficia ainda diretamente o concelho de Santa Cruz, tem 153 metros de comprimento, 26 de altura e capacidade para reter 1,7 milhões de metros cúbicos de água, utilizada por mais de 200 agricultores, a maioria a jusante, na bacia hidrográfica da Ribeira Seca.

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