"Chegamos à conclusão de que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita validou uma operação em Istambul para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi", escreve a direção da Agência Central de Informação (CIA), num pequeno documento de quatro páginas hoje desclassificado.
"O príncipe herdeiro considerou Khashoggi como uma ameaça para o Reino e apoiou totalmente o uso de medidas violentas, se necessárias, para o silenciar", acrescenta-se no documento.
A desclassificação do documento pode aumentar a pressão sobre a administração de Joe Biden para responsabilizar o reino por um assassínio que provocou grande indignação nos Estados Unidos e internacionalmente.
A conclusão central do relatório era amplamente esperada, visto que vários funcionários da CIA tinham chegado a esse entendimento logo após o brutal assassínio de Khashoggi, a 02 de outubro de 2018, um crítico da consolidação autoritária do poder do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
Ainda assim, como a descoberta não fora oficialmente divulgada até agora, a atribuição pública de responsabilidade representou uma repreensão extraordinária ao ambicioso príncipe herdeiro, de 35 anos.
Segundo a agência noticiosa Associated Press (AP), a divulgação pública do documento vai, "provavelmente, dar o tom" para o relacionamento da nova administração norte-americana com um país que Biden criticou, mas que a Casa Branca considera que, nalguns contextos", constitui "um parceiro estratégico".
A Casa Branca anunciou já que irá tomar "medidas", mas sem adiantar quais.
Quinta-feira, a imprensa norte-americana deu eco ao relatório, então ainda não divulgado oficialmente, salientando que o documento tem por base sobretudo informações recolhidas pela CIA.
"A divulgação pública (do relatório) marcará um novo capítulo nas relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita e uma diferença clara entre a política do Presidente Joe Biden e a do ex-Presidente Donald Trump", disse a emissora NBC, indicando ter tido acesso ao texto em 2018.
Na quarta-feira, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse aos jornalistas que o "relatório desclassificado" seria divulgado em breve pela diretora nacional de informação, Avril Haines.
Na ocasião, a porta-voz indicou que o Presidente norte-americano devia falar em breve ao telefone com o rei Salman da Arábia Saudita, pai de Mohammed, conhecido por MBS e interlocutor privilegiado da diplomacia de Trump.
O telefonema acabaria por acontecer quinta-feira, desconhecendo-se o teor da conversa.
No entanto, Jen Psaki confirmou um dia antes a intenção de Biden em "recalibrar" a relação com Riade, de uma forma "diferente" da anterior administração norte-americana, algumas vezes acusada de ter fechado os olhos à questão dos direitos humanos em relação ao seu aliado próximo.
"Isto significa que não ficará em silêncio, dirá alto e bom som quando estiver preocupado com as violações dos direitos humanos e com a falta de liberdade de imprensa e de expressão", adiantou.
A divulgação do relatório sobre Khashoggi pode ser o primeiro teste da "recalibragem", segundo a agência France-Presse.
O saudita Jamal Kashoggi, 59 anos, residente nos Estados Unidos e cronista do jornal The Washington Post, foi assassinado no consulado do seu país em Istambul (Turquia) por agentes sauditas.
O Senado norte-americano, que teve acesso às conclusões dos serviços de informações, considerou na altura que o príncipe herdeiro era "responsável" pelo assassínio.
Riade inicialmente negou qualquer responsabilidade, mas mais tarde disse que o jornalista foi morto acidentalmente por agentes que tentavam extraditá-lo.
A versão oficial da Arábia Saudita é que esses agentes, ligados a Mohammed bin Salman, agiram por conta própria e que o príncipe não esteve envolvido.
Oito pessoas foram condenadas na Arábia Saudita pela morte de Khashoggi, cinco das quais à pena capital. Mais tarde estas sentenças foram comutadas para 20 anos de prisão.