Em declarações à Lusa, Susana Fonseca, representante da Zero, lamentou que o Governo português, que este semestre preside ao Conselho da União Europeia (UE), esteja a "fazer imensa força para a assinatura deste acordo", cujo "modelo de comércio é contrário aos objetivos que têm vindo a ser definidos nos últimos anos" pela UE, designadamente "a nível climático, de proteção da biodiversidade e até dos próprios direitos dos trabalhadores".
"Houve ali uma altura em que a presidência portuguesa do Conselho da UE estava quase em negação (...) e os nossos representantes políticos estavam a tentar puxar o acordo", salientou a responsável da organização não-governamental (ONG).
Porém, segundo Susana Fonseca, o Governo português "já se apercebeu que é contraproducente tentar forçar as coisas, porque há de facto reticências na Europa", como é o caso de França e Áustria, que manifestaram o seu desagrado com o atual acordo comercial, rejeitando-o no estado em que está.
"Este acordo, tal como está neste momento em cima da mesa, é contrário aos princípios do Acordo de Paris, vai prejudicar a sua implementação e é uma enorme ameaça à biodiversidade", apontou.
Além de o acordo ser "mau de origem", continuou, "torna-se ainda pior quando os líderes dos países têm uma postura que reforça mais o aspeto negativo" do mesmo, frisou a responsável, referindo-se ao Brasil, no qual "é claro" o desrespeito do atual governo pelos direitos humanos e pelas questões ambientais.
Para a associação Zero, "é tempo de a UE remodelar, alterar a sua política comercial" para que seja coerente com os seus princípios ambientais.
"Não podemos estar a falar de um acordo ecológico europeu, não podemos estar a falar de economia circular, não podemos estar a falar de um Acordo de Paris, de um lado, e depois do outro lado estar a propor acordos comerciais que são contrários a esses princípios. Tem de haver coerência", insistiu.
"Esta abordagem europeia em termos de política comercial não foi atualizada face aos desafios que nós neste momento tempos do ponto de vista da sustentabilidade", sublinhou Susana Fonseca, acrescentando que, para que este acordo possa "eventualmente ser aceite" pela ONG, "teria de ser remodelado quase totalmente".
A responsável frisou que as centenas de ONG que se opõem ao acordo não são contra o comércio entre países e regiões, mas sim contra "este modelo de comércio que põe o ganho específico em alguns indicadores económicos à frente de tudo o resto, quando já se percebeu que precisamos de ter uma abordagem diferente se quisermos até continuar a existir enquanto espécie".
A Zero integra, com 450 outras ONG de todo o mundo, a aliança "Não ao Acordo UE-Mercosul", lançada oficialmente a 15 de março com o objetivo de travar a aprovação do acordo comercial alcançado entre a UE e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), por considerar que está contra os princípios ambientais preconizados pelo bloco comunitário.
Na declaração então divulgada, as organizações afirmam que o acordo reflete um modelo "ultrapassado e que se provou inadequado para o planeta", que "serve os interesses corporativos à custa dos limites planetários, de inaceitáveis desigualdades sociais e do bem-estar animal".
Segundo as ONG, o acordo "incentivará ainda mais a destruição e o colapso da biodiversidade" da Amazônia e outros sistemas ecológicos semelhantes e acentuará a "dependência das economias sul-americanas como exportadoras baratas de matérias-primas", "obtidas por meio da destruição de recursos naturais vitais", "em vez de promover o desenvolvimento de economias sólidas, diversificadas e resilientes".
Identificado como uma prioridade pela presidência portuguesa, o acordo comercial, alcançado em junho de 2019 entre a UE e os países do Mercosul, após duas décadas de negociações, está atualmente em fase de tradução e revisão jurídica, finda a qual, com um acordo político dos 27, os países de ambos os blocos deverão ratificá-lo.
No entanto, vários Estados-membros, eurodeputados e organizações da sociedade civil têm manifestado fortes reservas relativamente à ratificação do acordo, por terem preocupações relativas à sua compatibilidade com o cumprimento do Acordo de Paris e com o impacto que terá para o aquecimento global, apontando, entre vários problemas, a desflorestação da Amazónia.
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