Após o terror e apesar da fome, crianças voltam a brincar num abrigo
Os apitos de apoio à vítima, para sinalizar uma situação de apuro em que não se possa gritar, transformaram-se num brinquedo para dezenas de crianças deslocadas de Palma, norte de Moçambique.
© Lusa
Mundo Moçambique
À mistura com gargalhadas de brincadeira, são um contraste com os tiroteios que as cerca de 200 pessoas que ali estão abrigadas viveram na última semana.
"A noite foi boa. É um sítio com segurança", diz Zíade Abdala, 25 anos, com o filho Shafi Abdla, dois anos, ao colo.
Foi assim que fugiram de Palma, com o resto da família, mas hoje a luta é bem diferente: Shafi quer estar na frente das crianças que tentam agarrar os brinquedos - bolas coloridas e outros adereços -, oferecidos pela organização não governamental (ONG) Save the Children.
Ronildo Paulo, ativista da ONG, ri-se, ao tentar colocar alguma ordem na distribuição dos brinquedos.
"Já testámos, eles gostam muito" do 'kit' que pretende tornar "cada criança feliz e dar apoio psicossocial".
O pavilhão continua a ser um campo de jogos, mas agora de crianças refugiadas da guerra, cujas famílias não têm ninguém para contactar em Pemba - e por isso dispõem de abrigo temporário em locais como este.
Nas bancadas, acumulam-se pessoas e seus utensílios, carregados durante a fuga de Palma: panos de capulana, baldes, sacos e mochilas.
"Estou bem, mas não tenho panela para cozinhar. E a criança está com fome", queixa-se Susana Inácio, 29 anos.
"Em Palma, [o cenário] está mal, há a Al-Shabab", nome que quer dizer "juventude" em árabe e que foi dado ao grupo insurgente, mas sem significar qualquer relação com o grupo terrorista da Somália com o mesmo nome.
Escapou com três filhos, mas o marido ainda espera uma forma de transporte para sair de Quitunda, a aldeia onde ainda há milhares a pedir ajuda para regressar, junto ao projeto de gás da Total.
"Estou sozinha, aqui em Pemba não conheço ninguém. Vou esperar o meu marido", diz, enquanto agarra um dos filhos, antes de atravessar o pavilhão a ritmo de passeio.
Aproxima-se a hora de almoço, mas a refeição vai ser empurrada para mais tarde, porque dificilmente vai haver jantar, e assim é mais fácil gerir a fome no resto do dia, explica à Lusa, Manuel Nota, diretor da organização humanitária católica Cáritas, em Pemba.
"Hoje a Cáritas tem de confecionar alimentos para servir a cerca de 250 pessoas" à hora de almoço, ali no pavilhão, mas "não há jantar garantido", porque faltam voluntários para o confecionar.
"São poucos os que se entregam para ser voluntários", lamentou, esperando, no sábado, a ajuda de missionárias.
Como os deslocados a quem vai servir almoço beneficiaram de enlatados de manhã, "se a Cáritas puxar o almoço para as 14:00 [13:00 em Lisboa], com o que receberam de manhã, já dá para passar o dia".
"É um desafio", diz Manuel Nota, mas "pelo menos vamos garantir que as pessoas continuam de pé", conclui.
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