"O Presidente dos Estados Unidos [Joe Biden] fez comentários incorretos, infundados, injustos e irrealistas" ao reconhecer sábado o genocídio arménio, disse Erdogan, alertando para o "impacto destrutivo" do gesto de Joe Biden nas relações já tensas entre Ancara e Washington.
"Biden fez declarações incorretas e infundadas sobre algo que aconteceu há mais de 100 anos. Isso entristece-nos. Sabemos que ele fez isso por pressão de grupos arménios radicais, mas isso não muda o facto de que vai prejudicar nossas relações", acrescentou Erdogan.
Sábado, Biden descreveu o massacre de 1,5 milhões de arménios pelo Império Otomano, em 1915, como "um genocídio".
Numa declaração para evocar o 106.º aniversário do início do massacre, Biden tornou-se o primeiro Presidente dos Estados Unidos a reconhecer formalmente o massacre como um genocídio, algo que os seus antecessores evitaram para não colocar em causa a aliança com Ancara.
Ainda no sábado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco convocou o embaixador norte-americano para protestar oficialmente contra as declarações de Biden.
"Rejeitamos e repudiamos a declaração do Presidente dos Estados Unidos sobre os acontecimentos de 1915", afirmou o ministério numa declaração à agência noticiosa turca Anadolu.
Horas antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Cavusoglu, afirmou na rede social Twitter que a Turquia "não tem nenhuma lição a receber de ninguém sobre a sua História".
A Turquia recusa o termo "genocídio" e rejeita qualquer sugestão de extermínio, citando massacres recíprocos num cenário de guerra civil e fome que provocou centenas de milhares de mortes em ambos os lados.
Já o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pachinian, saudou a decisão histórica do Presidente dos Estados Unidos, agradecendo-lhe pela "medida muito forte em termos da justiça e da verdade histórica", que oferece um "apoio inestimável aos descendentes das vítimas do genocídio arménio".
Aliás, a decisão de Washington foi recebida "em êxtase" na Arménia, um país que está a recuperar da derrota de uma guerra contra o Azerbaijão.
"Desde criança que espero que o Presidente dos Estados Unidos reconheça o genocídio arménio", afirmou uma cidadã arménia, citada pela agência de notícias espanhola EFE.
Mesmo com restrições em vigor, no âmbito do combate à pandemia causada pelo novo coronavírus, o povo arménio juntou-se em frente à embaixada dos Estados Unidos no país para agradecer o apoio diplomático que Biden deu ao classificar como genocídio o "massacre" de mais de 1,5 milhões de arménios entre 1915 e 1923.
Os acontecimentos entre aquelas datas, que começam durante a Primeira Guerra Mundial e estenderam-se depois do fim deste conflito, são ainda "uma ferida que arde" entre o povo arménio.
O reconhecimento, e condenação, de Biden do genocídio aconteceu no dia que a Arménia assinalou com a "tradicional celebração de recordação" o início da repressão da população arménia no Império Otomano, 24 de abril.
Por todo o mundo, foram várias os arménios a agradecer a Joe Biden, salientando a Efe as declarações das irmãs Kardashian e do jogador de futebol Henrikh Mkhitarian.
Além do simbolismo da data em que os Estados Unidos reconheceram o crime contra os arménios, as palavras de Biden aconteceram também numa altura em que o orgulho do país está ferido, depois da recente derrota frente ao Azerbaijão, aliado da Turquia, no controlo da região de Nagorno-Karabakh, o que provocou um terramoto político no país.
"A guerra em Artsakh (Nagorno-Karabakh em arménio) lembrou-nos mais uma vez a tragédia de 1915. É uma tragédia que ocorreu noutra parte da nossa pátria histórica", explicou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros arménio, Anna Nagdalian.
Não alheio ao "paralelismo histórico" apontado está o facto de o Governo de Ancara ter apoiado abertamente o Azerbaijão no conflito, em que quase 5.000 soldados arménios foram mortos.
As relações entre a Turquia e o Azerbaijão já levaram Baku a condenar a decisão dos Estados Unidos do genocídio arménio, apelidando-o como "um erro histórico".
O primeiro Estado a apoiar a causa arménia foi o Uruguai, que deu o passo histórico em 1965. Desde então, 30 países reconheceram o genocídio arménio, incluindo a Rússia.
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