"Controlar Mekele não tem qualquer significado militar, é como qualquer outro lugar. Se necessário, poderemos recuperar o controlo da cidade em três semanas ou até menos", disse o tenente-general Bacha Debele, comandante das Forças Armadas federais etíopes na frente do Tigray.
O governo federal declarou na segunda-feira um "cessar-fogo humanitário unilateral" naquele estado etíope do norte do país - contra o qual vinha a manter uma ofensiva militar desde 04 de novembro -- depois da administração estadual interina - nomeada pelo executivo central - ter pedido a cessação das hostilidades.
Fontes humanitárias e uma fonte da Comissão Etíope dos Direitos Humanos (CEDH) confirmaram à agência Efe, em declarações sob anonimato, que a Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF, na sigla em inglês) assumiu o controlo de outras cidades tigray, nomeadamente Adwa, Shire, Axum ou Adigrat.
O Exército federal etíope e a administração interina nomeada por Adis Abeba deixaram Mekele na segunda-feira de manhã, quando as Forças de Defesa de Tigray (TDF, na sigla em inglês), leais à TPLF - que governava o estado antes da invasão - assumiam o controlo da cidade.
"Há outra ameaça iminente à segurança nacional da Etiópia que levou o Governo a retirar as suas forças de Mekele e a declarar um cessar-fogo unilateral", disse Redwan Hussein, porta-voz do comité criado para gerir a ofensiva na região e o ministro dos Negócios Estrangeiros do país.
Embora Hussein não tenha mencionado explicitamente, uma das leituras possíveis é que estivesse a referir-se à disputa com o Egito e o Sudão relativa à, denominada por Adis Abeba, Grande Barragem Etíope do Renascimento (GERD, na sigla em inglês), que a Etiópia está a concluir no Nilo Azul.
O Sudão e o Egito estão a negociar há vários anos com a Etiópia as condições para a construção por Adis Abeba da GERD.
Os dois países temem que a barragem afete o fluxo de água do rio, do qual o Egito depende crucialmente para o seu abastecimento de água potável.
As conversações com a Etiópia sobre a disputa do Nilo foram interrompidas em abril. Vários esforços internacionais e regionais têm desde então tentado reavivar as negociações sem sucesso.
Em março, o Presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sissi, advertiu que os direitos do Egito sobre o Nilo são "intocáveis" e que haveria uma "instabilidade inimaginável", caso a Etiópia prossiga com a segunda fase do enchimento do reservatório sem um acordo internacional.
Não obstante, a Etiópia insistiu que avançará com a segunda fase do enchimento, mesmo de forma unilateral, e, embora o início deste estivesse previsto para junho, com o início da estação das chuvas, o Sudão denunciou na terça-feira que já tinha começado.
O Egito e o Sudão argumentam que o plano da Etiópia de acrescentar 13,5 mil milhões de metros cúbicos de água em 2021 ao reservatório da barragem constitui uma ameaça.
Em finais de maio, o Sudão e o Egito concluíram manobras militares de seis dias, designadas "Protetores do Nilo 1", explicadas pelo chefe de Estado-Maior do Exército sudanês, general Mohamed Ozman al Husein, como um exercício dos dois países para "aumentarem as capacidades de combate das [respetivas] forças para servir de dissuasão aos que estão à espreita e aos inimigos, bem como para estar à altura das ameaças previstas".
O chefe da diplomacia etíope também apontou hoje como motivo para o cessar-fogo o elevado custo económico que a guerra está a ter para a Etiópia e acrescentou que a cessação das hostilidades "permitirá ao povo de Tigray tirar partido da época de plantio", o motivo inicialmente invocado pelo executivo etíope.
"O Governo deu diferentes versões. O seu raciocínio inconsistente indica que a razão fundamental da sua retirada é que foram derrotados pelas TDF", considerou em declarações à Efe Tsedale Lemma, jornalista e editor do jornal local Addis Standard.
De acordo com Lemma, "um acordo negociado não parece ser uma possibilidade no horizonte", uma vez que os líderes tigray não só rejeitaram o cessar-fogo, como anunciaram a intensificação da contraofensiva, em declarações a diferentes meios de comunicação social.
Fontes diplomáticas disseram, no entanto, à Efe que funcionários superiores do executivo foram recentemente recebidos nas embaixadas dos Estados Unidos da América e do Reino Unido em Adis Abeba, onde discutiram a necessidade de uma negociação discreta com os líderes da TPLF.
De acordo com esta versão, a retirada do Exército federal de Mekele seria uma condição prévia estabelecida pelos países ocidentais.
O Tigray é palco de combates desde o início de 04 de novembro de 2020, data em que o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o Exército etíope para desalojar a TPLF, partido eleito que então governava o estado etíope no norte da Etiópia, e que vinha há vários meses a desafiar a autoridade de Adis Abeba.
Abiy justificou a operação militar como resposta a um ataque prévio das forças estaduais do Tigray a uma base do Exército federal.
Desde o início do conflito, milhares de pessoas morreram e quase dois milhões foram deslocadas internamente, enquanto pelo menos 75.000 fugiram para o vizinho Sudão, de acordo com números oficiais.
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