"Em termos de conclusões, o livro prende-se com a forma como a opinião pública foi enganada porque não foi dito nada de importante e relaciono isto com a qualidade das democracias liberais. Esteve-se a sonegar à opinião pública de que aquilo não era uma guerra" mas sim uma operação de paz, disse à Lusa o major-general Carlos Branco.
"Por exemplo, a Alemanha andou a convencer a sua população de que não iam para a guerra mas sim reconstruir um país e a mim alguém tem de me explicar como é que no meio de uma guerra se constroem hospitais e escolas e que médicos foram escolhidos para irem para esses hospitais", critica o ex-porta-voz da ISAF.
"Trata-se de um país em guerra onde a lei e a ordem se limitava a Cabul e onde o clima social esteve completamente devastado", recorda.
O livro condensa textos elaborados sobre o Afeganistão desde 2009, tem como título provisório "A Guerra do Afeganistão, 20 anos Depois" e vai ser lançado a 07 de outubro, no dia em que se assinalam os 20 anos sobre o início da guerra do Afeganistão.
O trabalho tem três partes: a primeira pretende explicar que não se tratou de uma operação de reconstrução ou de paz mas sim de uma guerra de contra-subversão.
A segunda parte prende-se com o desenrolar da guerra e as perspetivas sobre o conflito incluindo textos sobre a República Popular da China e o Irão em relação ao Afeganistão.
Finalmente uma terceira parte dedica-se ao período pós International Security Assistance Force (ISAF), de que foi porta-voz.
Outra questão que o livro pretende abordar está relacionada com a "derrota" dos norte-americanos sendo que o Afeganistão constitui um duro golpe no projeto hegemónico global de Washington.
Deste modo, o major-general Carlos Branco propõe a reflexão sobre o papel das grandes potências e os comportamentos a tomar em relação a Estados como o Afeganistão, que pela importância geoestratégica devem ser considerados Estados neutros.
Paralelamente, o livro pretende também alertar sobre questões e conceitos que são tratados de forma abrangente em todo o mundo e que devem ser encarados de outra forma como a chamada questão do "terrorismo global".
"Vêm dizer que a importância do Afeganistão está relacionada com o terrorismo mundial. Não existe terrorismo mundial. Existem determinados grupos que são terroristas e que têm de ser tratados como tal. Não há terrorismo mundial e, por isso, as grandes potências deviam ter mais preocupação quanto à unidade e menos em relação a interesses geoestratégicos particulares", critica.
Do ponto de vista histórico mas que considera determinante, o autor do livro recorda a complexidade dos acontecimentos que provocaram a intervenção dos Estados Unidos no dia 07 de outubro de 2001, após o ataque contra Nova Iorque.
"O 11 de setembro foi um pretexto para uma coisa que já estava em marcha. Alguém acredita que os norte-americanos em menos de um mês tivessem conseguido montar uma operação daquelas?", frisa.
O major-general Carlos Brancos indica que o ataque contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, foi cometido essencialmente por 19 elementos sauditas que combateram na Bósnia tendo outros recebido treino nos Estados Unidos.
"E agora? Vêm dizer-me que tudo isto é o terrorismo no Afeganistão? A questão é muito mais complexa. Os norte-americanos estão no Afeganistão desde os anos 1950 e estas coisas têm de ser ditas para não andarmos aqui a falar do terrorismo quando os vários interesses, nomeadamente por parte dos governantes dos Estados Unidos, como de Dick Cheney [ex-vice-Presidente dos EUA 2001-2009], foram omitidos à opinião pública", concluiu.
Além de várias missões militares internacionais, Calos Branco foi porta-voz da ISAF no Afeganistão (2007-2008), a missão da Aliança Atlântica estabelecida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova.
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