O ex-chefe de Estado do Chade foi condenado por um tribunal africano após ter passado décadas num exílio luxuoso no Senegal - onde se encontrava agora -, num caso que ilustrou, durante anos, a relutância da África em julgar os seus déspotas.
Num comunicado divulgado poucas horas antes de ser conhecido a morte de Hissène Habré, num hospital em Dacar, a sua mulher tinha confirmado que o antigo presidente tinha contraído covid-19, mas que se encontrava "consciente" e a ser observador por médicos.
"Após tomar conhecimento esta manhã do repentino falecimento do ex-presidente Hissène Habré, envio os meus mais sinceros pêsames à sua família e ao povo chadiano. A Deus pertencemos e a ele regressamos", declarou, na sua conta na rede social Facebook, o Presidente do Chade, Mahamat Idriss Deby Itno.
Hissène Habré foi condenado em 2016 a prisão perpétua, na sequência do julgamento por acusações ligadas ao tempo em que esteve no poder no Chade, de 1982 a 1990, mas cumpriu apenas cerca de cinco anos de prisão.
Os ativistas dos direitos humanos dizem que o Chade era um Estado impiedoso, de partido único, sob o domínio do presidente e com um temível serviço de segurança, liderado por membros do grupo étnico de Habré, os Gonare, que foram colocados em cada aldeia, documentando até as mais ligeiras transgressões contra o regime.
A lista de ofensas merecedoras de prisão incluía falar mal de Hissene Habre, ouvir estações de rádio "inimigas" ou "realizar rituais de magia para ajudar o inimigo, de acordo com uma comissão da verdade, nomeada pouco depois de o antigo chefe de Estado do Chade ter caído do poder.
A comissão concluiu que o governo de Hissene Habre foi responsável por 40.000 assassinatos.
"Hissène Habré ficará na história como um dos ditadores mais impiedosos do mundo, um homem que massacrou o seu próprio povo, queimou aldeias inteiras, enviou mulheres para servirem como escravas sexuais para as suas tropas e construiu masmorras clandestinas, para infligir tortura medieval aos seus inimigos", escreve Reed Brody, um advogado da Human Rights Watch (HRW), que trabalhou durante anos para trazer Habré à justiça, na rede social Twitter.
No início deste ano, o advogado da HRW tinha escrito que, cinco anos após a condenação de Habre, "os sobreviventes da tortura e as famílias dos mortos não viram um cêntimo" de indemnizações.
"A União Africana não conseguiu sequer estabelecer o fundo fiduciário mandado criar pelo tribunal para incluir os bens de Habre e solicitar contribuições", escreveu Brody.
"O governo chadiano, ordenado pelo seu próprio tribunal para erguer memoriais e compensar as vítimas, também lhes virou as costas. E o próprio Habré nunca contabilizou as dezenas de milhões de dólares que, alegadamente, saqueou do tesouro chadiano", comentou.
Para Younous Mahadjir, que foi detido durante quatro meses no final do regime de Habré, por distribuir panfletos anti-regime, a impressão esmagadora daquele período foi o medo.
"A qualquer momento eles podiam prendê-lo", disse Mahadjir, que enquanto esteve detido lhe deitaram água pela garganta abaixo até perder a consciência.
Os detidos eram sujeitos a uma vasta gama de técnicas de tortura. Alguns eram queimados, outros eram pulverizados com gás venenoso e, ainda mais, eram obrigados a pôr a boca à volta dos tubos de escape dos veículos em circulação, causando queimaduras graves quando o motor acelerava.
Habré era filho de um agricultor e nasceu na cidade de Faya-Largeau, no norte do Chade, em 1942, quando o país ainda estava sob o domínio colonial francês, e trabalhou como civil para os militares franceses, antes de ser selecionado para estudar em França, onde terminou a licenciatura em Direito.
Em 1971, regressou ao seu país para trabalhar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Chade, mas rapidamente se envolveu numa rebelião camponesa de muçulmanos do norte contra o governo cristão, dominado em grande parte pelo sul.
A sua ascensão não foi impulsionada pela ideologia. O relatório final da comissão da verdade criticou duramente o oportunismo de Habré, descrevendo-o como "um homem sem escrúpulos", motivado apenas pelo poder.
"Assim, ele juntar-se-ia à rebelião armada, com o objetivo de chegar ao governo. Para conquistar a simpatia do público, retratou-se várias vezes como um maoísta convicto e um muçulmano fervoroso", referia o relatório.
Numa passagem posterior, o documento dizia que, apesar da educação de Habré, o seu "comportamento e pensamento não são muito diferentes dos de um ladrão de camelos".
Habre tornou-se primeiro-ministro sob a égide do então presidente Felix Malloum, em 1978, mas Malloum caiu do poder no ano seguinte.
Em 1982, Habré depôs o presidente Goukouni Oueddei, iniciando os seus oito anos como chefe de Estado, durante os quais recebeu apoios dos EUA e da França, segundo a HRW.
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