Embora admita existir uma "preocupação genuína com a possibilidade de violência na Irlanda do Norte", o diretor do Centro de Estudos sobre o 'Brexit', da Universidade de Birmingham, considera que "provavelmente mais importantes são as razões políticas".
Ao atacar Bruxelas, diz Ruyter, o Governo está a tentar chegar a um "número relativamente restrito da população" que poderá decidir as próximas eleições legislativas, as quais poderão acontecer a qualquer altura até 2024.
"A política está claramente focada neles - e especialmente na distração de outros problemas negativos que afligem o Reino Unido no momento", disse hoje à agência Lusa.
Nas últimas semanas, o Governo britânico tem sido criticado pela oposição e patronato devido à crise dos preços da energia, dificuldades de abastecimento dos supermercados e combustíveis e falta de mão-de-obra em vários setores económicos, como a agricultura e restauração.
Ruyter falava a propósito do discurso anunciado do secretário de Estado britânico para as relações com a UE, David Frost, durante uma deslocação a Lisboa na terça-feira para exigir o fim do papel do Tribunal Europeu de Justiça no Protocolo da Irlanda do Norte pós-'Brexit'.
David Frost vai dizer, segundo excertos divulgados antecipadamente, que propostas de Bruxelas para facilitar a entrada de produtos, nomeadamente de salsichas, na província britânica não serão suficientes para aliviar as tensões.
"A Comissão [Europeia] tem sido muito rápida em descartar a governação como uma questão secundária. A realidade é o oposto. O papel do Tribunal de Justiça Europeu na Irlanda do Norte e a consequente incapacidade do Governo do Reino Unido em implementar as disposições muito sensíveis do Protocolo de uma forma razoável criaram um profundo desequilíbrio na forma como o Protocolo funciona", vai afirmar David Frost, segundo os excertos divulgados antecipadamente.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Irlanda, Simon Coveney, acusou hoje o Governo britânico de rejeitar as soluções propostas e criticou os britânicos por quererem "mudar as regras do jogo" e criar uma nova "linha vermelha".
"Em toda a União Europeia, isto é visto como o mesmo método repetido diversas vezes. A UE tenta resolver problemas, o Reino Unido rejeita soluções antes mesmo de serem anunciadas e pede mais", declarou Coveney, visivelmente irritado, à estação irlandesa RTÉ.
No entanto, o jornal Daily Telegraph escreve hoje em editorial que Frost tem razão em tentar que a UE faça mais concessões.
"Para o bem da nossa integridade constitucional, paz e meios de subsistência dos cidadãos da Irlanda do Norte, o Protocolo precisa ser reformado e o assunto final e inacabado do 'Brexit' colocado de lado", argumenta o jornal conservador.
Desde a entrada em vigor, em janeiro, do acordo para o 'Brexit' que estão em vigor novos controlos aduaneiros a produtos que chegam do Reino Unido, em particular de origem animal e vegetal, o que também implica documentação acrescida.
O objetivo destas medidas é proteger a integridade do mercado único europeu, pois o acordo deu à Irlanda do Norte um estatuto especial devido à necessidade de manter uma fronteira aberta com a República da Irlanda, membro da UE, para respeitar o processo de paz na região.
Porém, o Governo britânico entende que as novas regras, entretanto suspensas, estão a dificultar a circulação de mercadorias dentro do próprio Reino Unido, do qual a Irlanda do Norte faz parte.
Esta situação foi ilustrada com o potencial impedimento de as tradicionais salsichas britânicas serem importadas para a Irlanda do Norte porque, de acordo com as regras de segurança alimentar da UE, os produtos de carne refrigerada não podem entrar no mercado único de países que não são membros, como é o caso do Reino Unido.
Tensões sobre as novas regras contribuíram para uma semana de violência nas ruas nas cidades da Irlanda do Norte em abril, quando jovens atacaram a polícia com tijolos, fogos de artifício e engenhos explosivos.
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