A fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal foi definida em 1960 por Portugal e França num Acordo por Troca de Notas. A Guiné-Bissau já independente tentou alterar a fronteira num processo que envolveu a criação de um tribunal arbitral, que decidiu por mantê-las.
"Em termos jurídicos restritos, a decisão consolidou-se. Podemos criticar a qualidade técnica da decisão, podemos criticar a racionalidade da decisão, mas a partir do momento em que se construiu o tribunal isso permitiu que o tribunal decidisse e está decidido", afirmou Kafft Costa, quando questionado pela Lusa sobre a possibilidade de alteração da fronteira marítima.
Mas, segundo o jurista, "há espaço para negociações políticas sérias".
"Não há nenhuma decisão por mais jurídica que seja, que não possa ser revertida se as partes nacionais entenderem que isso é bom para o futuro dessas comunidades", salientou.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa falava à Lusa no âmbito do lançamento do seu livro "Contencioso fronteiriço do mar. Direito internacional, constitucional e geografia (Guiné-Bissau e Senegal num estudo caso), apresentado no domingo, em Bissau.
"O Senegal percebeu que é importante ter a sul um Estado amigo e a Guiné-Bissau percebeu também que precisa de um Senegal amigo, um parceiro forte, honesto, nas suas relações. Se pegarmos nesses pressupostos, as autoridades políticas, a nível de uma intervenção diplomática forte, podem trazer à agenda negocial de novo esse problema", afirmou.
Kafft Costa disse pensar ser "possível reabrir" o dossiê se todos, incluindo políticos, militares, se "consciencializarem que é uma estratégia nacional".
"Abrir em prol do Senegal, da Guiné-Bissau, porque ninguém está interessado em deixar para as calendas gregas este problema", afirmou, salientando que o tribunal arbitral fez um péssimo trabalho, mas que a Guiné-Bissau também contribuiu para o insucesso.
Segundo o professor, o tema do livro interessa "principalmente aos decisores políticos, porque está nas mãos deles a resolução de um problema que não tem sido equacionado de forma séria, competente ou pelo menos eficiente".
"É tão ineficiente a abordagem que já vamos a caminho dos 40 anos com um contencioso judicial pendente, ainda que me digam que já houve um acórdão do tribunal arbitral e do Tribunal Internacional de Justiça", afirmou.
Para Kafft Costa, o facto de o tema ainda estar a ser falado "significa que não foi resolvido, porque a comunidade guineense não se revê no desfecho".
"É uma questão de soberania muito delicada e que deve ser equacionada de forma séria, razoável pelos decisores políticos de ambos os países. Não é só a Guiné-Bissau que se sente prejudicada, que deve sentir essa necessidade de tomar uma atitude diferente, é também o Senegal, que deve pensar que faz fronteira com a Guiné-Bissau e não interessa de todo manter 'ad eterno' esse estado de coisas, esse estado de espírito, esse estado na relação entre dois povos que são irmãos", afirmou.
O professor considerou que os decisores políticos se têm de capacitar que a situação "não está resolvida" e que a resolução não passa por negociar a partilha da área marítima de exploração conjunta.
"O problema não está no quanto cada parte vai ter na exploração. O problema está a montante de tudo, está num problema mal resolvido e todos os problemas mal resolvidos têm consequências nefastas para o futuro", disse.
Para o professor, é chegado o "momento de as autoridades senegalesas e guineenses deixarem de laborar ilusões, de factos consumados, e discutir aquilo que em 1960 foi mal equacionado, mal resolvido".
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