Os portugueses Arthur Pita e Fabio Lopez, o diretor do Royal Ballet, Kevin O'Hare, os coreógrafos Twyla Tharp e Jiri Killian, assim como a histórica bailarina Irina Kolpakova, do antigo Kirov de Leninegrado, atual Teatro Mariinsky de São Petersburgo, são outros dos quase cem profissionais do mundo da dança, a nível mundial, que se manifestaram contra a guerra e a presença russa na Ucrânia, desde 24 de fevereiro, o primeiro dia da invasão.
"O povo russo precisa de levantar a voz e de parar imediatamente as ações do seu governo", escreve o bailarino, coreógrafo e professor Fabio Lopez, diretor artístico da companhia de dança Illicite Bayonne, em França, lembrando que "vidas humanas estão em jogo".
Arthur Pita, bailarino e coreógrafo português formado em Joanesburgo e Londres, detentor de uma carreira internacional que vai da Ópera de Paris e do Palais Garnier ao Royal Ballet e aos palcos de Los Angeles e São Francisco, escreve: "O meu coração vai para o povo da Ucrânia, neste momento horrível e doloroso."
A primeira bailarina do Bolshoi, Olga Smirnova, afirma-se "contra a guerra" e recorda o seu avô ucraniano.
"Nunca pensei que teria vergonha da Rússia", prossegue Smirnova, nascida em São Petersburgo. "Sempre tive orgulho do povo russo, das conquistas culturais, desportivas. [...] Dói as pessoas estarem a morrer, a serem privadas das suas casas. [...] Mesmo que não estejamos no epicentro do combate, não podemos ficar indiferentes a este desastre global".
Irina Kolpakova, que nos anos de 1950-60 foi estrela do ex-Kirov e acabou por se ligar ao American Ballet Theatre e fixar-se nos Estados Unidos, confessa-se "chocada e esmagada" pelos acontecimentos. "Eu sei o que é guerra", afirma, recordando a ex-Leningrado durante os bombardeamentos nazis.
Na madrugada do passado dia 24 de fevereiro, quando teve início a invasão da Ucrânia pelas forças russas, o ex-diretor do Ballet Bolshoi Alexei Ratmansky, que foi primeiro bailarino da Ópera Nacional da Ucrânia e hoje reside em Nova Iorque, depois ter trabalhado com o American Ballet, colocou a negro a sua página do Facebook, e abriu-a a profissionais da dança, a nível mundial, acumulando, até agora, perto de uma centena de mensagens de oposição à guerra.
Muitas dessas mensagens vêm de profissionais russos ou de origem russa, residentes no seu país, bem como de outros, na diáspora.
É o caso dos bailarinos Natalia Osipova e Vadim Muntagirov, do Royal Ballet, em Londres, Andrey Klemm, do Ballet da Ópera de Paris, de Olga Iakovlevskaya, de Antuérpia, na Bélgica, de Valentina Kozlova, ex-primeira bailarina do New York City Ballet, depois de ter desertado para o Ocidente, em 1979, assim como da célebre Natalia Makarova, que passou a primeiro nome do American Ballet, depois de trocar Leninegrado por Londres, em 1970.
Os bailarinos russos Diana Vishneva, Vladimir Varnava e Vladimir Shklyarov, do Teatro Mariinsky, em São Petersburgo, deixaram igualmente mensagens contra a guerra e a invasão.
Quanto aos ucranianos Irina Dvorovenko e Maxim Beloserkovsky, do American Ballet, recordam a sua pátria. "Isto é um ataque à humanidade, a todas as pessoas livres e àqueles que desejam ser livres."
Outros bailarinos ucranianos também se manifestam nesta página, como Olga Morozenko ("Não é hora de temer o tirano"), Vladimir Malakhov ("Quero que este horror e pesadelo acabe"), Katja Khaniukova ("Somos uma nação brava e digna"), Christine Shevchenko ("A guerra não é a resposta"), Elena Filipieva ("O genocídio está a acontecer na Ucrânia agora, mas eu acredito na vitória").
Mikhail Baryshnikov, nascido na Letónia, então anexada à antiga União Soviética, assina a mensagem do Baryshnikov Arts Center, de Nova Iorque, de "apoio aos bravos cidadãos da Ucrânia".
"Artistas do mundo inteiro compreendem que a liberdade - política, pessoal e artística - é essencial para uma sociedade saudável e vibrante. Essa é a sociedade que a Ucrânia quer e merece. Estamos ao lado de todos os que lutam por esse objetivo", escreve o antigo bailarino, que desertou em 1974, fixando-se então no Canadá.
O coreógrafo de origem checa Jirí Kylián, histórico diretor artístico do Nederlands Dans Theater, recorda como o seu país foi brutalizado no passado, quando invadido pelas forças nazis de Hitler, em 1938, e pelos tanques de Moscovo, em 1968.
"Em ambas as ocasiões os aliados ocidentais não fizeram nada para nos proteger. Não repitam os erros do passado, nem mesmo face a uma ameaça nuclear, nunca", reclama Kylián, num apelo escrito em maiúsculas.
"Putin nunca devia ter surgido. Tem de ser confrontado diretamente porque essa é, infelizmente, a única linguagem que compreende", conclui o coreógrafo que marcou a dança contemporânea nas décadas de 1970-90.
A norte-americana Twyla Tharp, fundadora da companhia de dança com o seu próprio nome, saúda "a bravura do povo ucraniano", numa altura em que "a coragem desafia as probabilidades".
Kevin O'Dare, o diretor da Royal Opera House, que passou a abrir todas as atuações com o hino da Ucrânia, alertou para a crise humanitária que se desenrola no país, enquanto José Carlos Martínez, diretor da Companhia Nacional de Dança de Espanha, apela para "que a humanidade, a sanidade e a diplomacia ganhem esta guerra que nunca deveria ter começado".
As condenações pela invasão são igualmente subscritas pelos coreógrafos neerlandeses Hans van Manen e Henk van Dijk, por Mathieu Ganio do Ballet da Ópera de Paris, e por Brigitte Lefèvre, que dirigiu a companhia; por Guillaume Cote e Evelyn Hart, do National Ballett of Canadá, Alexandra Radius e Han Ebbelaar, antigos primeiros bailarinos do Nederlands Dans Theater, Tiit Helimets, do San Francisco Ballet, Krzysztof Pastor, do Polish National Ballet, Aaron S. Watkin, da Opera Estatal de Dresden, Christian Spuck, do Ballett Zurich, e Desmond Richardson fundador do Complexions Contemporary Ballet, antigo primeiro bailarino da companhia de Alvin Ailey.
Para Edward Villella, que estreou as principais coreografias de George Balanchine, "Putin é um criminoso de guerra, uma personificação das práticas do KGB", impondo-se "a remoção deste monstro".
O coreógrafo norte-americano John Neumeier, responsável pelo Ballet de Hamburgo, prometeu "fazer tudo o que estiver [ao seu] alcance para proteger e ajudar pessoas, artistas e bailarinos vindos da Ucrânia".
"Nenhuma palavra é suficientemente precisa ou poderosa para descrever a situação na Ucrânia - a perda de vidas, a emigração forçada, a miséria humana, mas também a bravura e o heroísmo do povo ucraniano", escreveu o coreógrafo, que, com a sua companhia, prepara a estreia do bailado sobre "A Paixão de São Mateus", de JS Bach, em Los Angeles.
"O hino nacional ucraniano ressoará antes da estreia do Ballet de Hamburgo e antes de as primeiras notas da 'Paixão' soarem em 12 de março, em Los Angeles. A Ucrânia e o seu povo têm o meu mais profundo apoio".
Em Portugal, entre outras iniciativas, o Organismo de Produção Artística, que gere a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro Nacional de São Carlos e os Estúdios Victor Córdon, manifestou repúdio pela ofensiva militar russa e associou-se ao movimento "Cultura pela Ucrânia", disponibilizando pontos de recolha de bens no Teatro Nacional de São Carlos, no Teatro Camões e nos Estúdios.
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