Ucrânia. Prosseguem bombardeamentos e campanha de desinformação russa
A terceira reunião de negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia terminou hoje sem acordo sobre um cessar-fogo, e prosseguiram os bombardeamentos russos em território ucraniano, bem como a campanha de desinformação russa.
© Scott Peterson/Getty Images
Mundo Ucrânia
Após a condenação generalizada pela comunidade internacional do bombardeamento da ala de maternidade do hospital pediátrico de Mariupol, na quarta-feira, e de terem sido hoje bombardeadas mais duas maternidades na Ucrânia, perfazendo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um total de 18 instalações médicas atingidas desde o início da invasão russa, há duas semanas, Moscovo emitiu declarações contraditórias.
Inicialmente, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, justificou o bombardeamento pelas forças russas do hospital pediátrico de Mariupol afirmando que este servia de base a um grupo de extremistas ucranianos.
"Esta maternidade foi há muito tempo tomada pelo grupo Azov e outros radicais", declarou Lavrov, acrescentando que os pacientes e o pessoal médico e administrativo tinham sido expulsos do local por elementos daquele grupo.
Falando à imprensa após um encontro com o seu homólogo ucraniano na cidade turca de Antália, o ministro russo acusou "os meios de comunicação ocidentais" de apresentarem apenas "o ponto de vista ucraniano".
"Há uma 'russofobia' em todo o Ocidente liderada pelos Estados Unidos", sustentou.
Segundo Lavrov, o Kremlin apresentou documentos ao Conselho de Segurança da ONU, numa reunião realizada em março, que corroboram que aquele centro hospitalar estava nas mãos do grupo nacionalista extremista ucraniano Azov e de outras organizações radicais.
Horas depois, o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, classificou o ataque à maternidade de Mariupol como uma "encenação" dos "nacionalistas ucranianos".
"A força aérea russa não realizou nenhuma missão de destruição de alvos na região de Mariupol", disse o porta-voz.
"O suposto ataque aéreo é uma encenação total com fins provocatórios, a fim de alimentar o sentimento antirrusso no Ocidente", acrescentou.
Konashenkov repetiu as acusações russas de que o hospital tinha sido evacuado pelos ucranianos e que estava a ser usado como "reduto" de combatentes extremistas, "devido à sua localização favorável do ponto de vista tático".
No terceiro encontro negocial desde o início da invasão, hoje realizado em Antália -- e o primeiro em que o Kremlin enviou um ministro, o dos Negócios Estrangeiros --, o chefe da diplomacia ucraniano, Dmytro Kuleba lamentou que não tenha sido possível alcançar o objetivo de um acordo sobre a abertura de um corredor humanitário em Mariupol, cercada por tropas russas, e sobre um cessar-fogo de 24 horas no país, acrescentando que apenas ficou decidido "prosseguir as negociações".
"Vim aqui primeiro por razões humanitárias, para a retirada de civis. Mas Lavrov não quis prometer nada sobre esta questão", disse o ministro ucraniano, admitindo, no entanto, que a Ucrânia decidiu "continuar os esforços e permanecer neste formato" de negociações.
"Estou determinado a continuar porque queremos que esta guerra termine e que o nosso país seja libertado dos ocupantes", disse Kuleba, esperando "conversas sérias e construtivas".
Antes de partir, Kuleba disse, num vídeo divulgado na rede social Facebook, que as suas expectativas eram "limitadas", já que a Rússia mantém uma campanha brutal de bombardeamento e cerco às principais cidades da Ucrânia.
Por sua vez, Serguei Lavrov defendeu, no final da reunião com Kuleba, mediada pelo MNE turco, Mevlut Çavusoglu, que as conversações na Bielorrússia são o único formato viável para dialogar com a Ucrânia.
"A conversa de hoje confirmou que esse caminho não tem alternativa", disse Lavrov, referindo-se à disponibilidade da Rússia para continuar as reuniões na Bielorrússia.
Naquela que foi a sua primeira viagem ao estrangeiro desde que a Rússia foi alvo de duras sanções internacionais que o visaram também diretamente, o ministro russo aproveitou também para emitir um aviso aos países que estão a fornecer armas à Ucrânia para combater a Rússia de que serão responsabilizados pelas suas ações, que considerou perigosas.
"Os colegas estrangeiros, incluindo a União Europeia, agem perigosamente entregando armas mortíferas à Ucrânia", disse Lavrov, citado pela agência turca Anadolu.
"Estes países estão a criar um perigo colossal, inclusive para eles próprios", observou.
O MNE ucraniano indicou que o que Lavrov lhe transmitiu é que continuará a atacar até que as exigências de Moscovo sejam atendidas.
"Isso significa rendição, algo que é inaceitável", sublinhou Kuleba, assegurando que a Ucrânia "é forte e está a lutar" e que, apesar de estar disponível para procurar soluções, não se vai render.
O Governo russo prosseguiu a sua campanha de propaganda e desinformação, acusando hoje os Estados Unidos de financiarem um programa de armas biológicas na Ucrânia, afirmando ter encontrado provas nesse sentido em laboratórios ucranianos.
"O objetivo desta pesquisa biológica financiada pelo Pentágono na Ucrânia era criar um mecanismo para a disseminação furtiva de agentes patogénicos mortais", disse o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, no seu 'briefing matinal' sobre o conflito na Ucrânia.
Entretanto, a ONU já veio assegurar que não tem quaisquer provas da existência de tais programas ilegais, e Washington acusou Moscovo de "espalhar intencionalmente" teorias da conspiração e mentiras.
"Essa desinformação russa é um absurdo total e não é a primeira vez que a Rússia inventa tais falsas alegações contra outro país. Além disso, essas alegações foram desmascaradas de forma conclusiva e repetida ao longo de muitos anos", indicou o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, em comunicado.
Em causa está a tentativa da Rússia de justificar as "suas próprias ações horríveis na Ucrânia" através da invenção de falsos pretextos, segundo Price.
"Os EUA não possuem ou operam nenhum laboratório químico ou biológico na Ucrânia, estão em total conformidade com suas obrigações sob a Convenção de Armas Químicas e a Convenção de Armas Biológicas, e não desenvolvem ou possuem tais armas em nenhum lugar (...) A Rússia tem um histórico de acusar o Ocidente dos mesmos crimes que a própria Rússia comete", frisa o comunicado.
Washington salientou ainda que é a Rússia que tem programas ativos de armas químicas e biológicas e viola a Convenção sobre Armas Químicas e Armas Biológicas.
Os Estados Unidos acreditam ainda que esses tipos de alegações por parte da Rússia se prolonguem no tempo, considerando tratar-se de uma "manobra óbvia da Rússia para tentar justificar mais ataques premeditados, não provocados e injustificados" à Ucrânia.
Nesse sentido, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, alertou que a Rússia pode estar a preparar-se para "usar armas químicas ou biológicas na Ucrânia", depois das acusações de Moscovo.
A porta-voz classificou as alegações russas como "absurdas" e observou que funcionários do Governo chinês também ecoaram as "teorias da conspiração" da Rússia.
"Agora que a Rússia fez essas falsas alegações, e a China aparentemente defendeu essa propaganda, todos nós devemos estar atentos a que Rússia possivelmente use armas químicas ou biológicas na Ucrânia ou crie uma operação de bandeira falsa para utilizá-las. É um padrão claro", sustentou.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que causou já a fuga de mais de 2,3 milhões de pessoas para os países vizinhos -- o êxodo mais rápido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, e muitos países e organizações impuseram à Rússia sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca ao desporto.
A guerra na Ucrânia, que entrou hoje no 15.º dia, causou um número ainda por determinar de mortos e feridos, que poderá ser da ordem dos milhares, segundo várias fontes.
Embora admitindo que "os números reais são consideravelmente mais elevados", a ONU confirmou hoje a existência de pelo menos 549 civis mortos e 957 feridos.
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