Às primeiras horas da manhã, quatro zonas de habitação foram atingidas por 'rockets', incluindo um prédio de 15 andares no distrito de Sviatoshynky, onde se registaram as vítimas mortais, um incêndio de grandes proporções e obrigaram ao resgate de 27 pessoas.
No segundo dia consecutivo em que áreas residenciais foram alvejadas, durante a escalada de confrontação entre as forças invasoras russas e as de defesa ucranianas nos arredores de Kiev, mais três complexos de habitação e uma estação de metro foram atingidos, em distritos diversos dos arredores.
Em Podil, cerca de oito quilómetros a noroeste do centro, algumas dezenas de pessoas observam à distância os estragos num edifício de 10 pisos e os trabalhos de limpeza que começaram logo de seguida.
O silêncio que se apropriou do local é apenas interrompido pelo labor das serralheiras e dos homens que atiram os destroços das varandas para o solo, onde vai formando um grande manto de entulho, junto ao local do impacto do projétil.
Seriam umas cinco da manhã, quando Tamara foi sacudida por um clarão seguido de estrondo e todas as janelas rebentaram. "Simplesmente, não conseguia entender o que se estava a passar".
Do seu rés do chão, onde vive sozinha, e ainda vestida de camisa de noite, começou de imediato a limpar a cozinha e o trabalho continuava a meio da manhã. Ficou com eletricidade, mas sem água nem gás, e, além das janelas, apenas o louceiro e os cristais que guardava no interior ficaram partidos: "Deus estava a sorrir para nós", conta a mulher de 71 anos a partir da sua varanda, nas traseiras daquele prédio, com todas as janelas devastadas pela explosão.
Tamara assume que tem medo, esforçando-se por "ser forte e positiva". Ao mesmo tempo, agradece comovida o apoio de toda a Ucrânia e dos jornalistas presentes, pedindo que contem o que viram naquele velho e discreto edifício ao resto do mundo e que levem também uma mensagem: "É melhor [o Presidente russo] Putin ir embora do que eu, porque vivo na minha terra".
A energia da explosão partiu igualmente os vidros dos prédios vizinhos, revestindo os passeios de estilhaços, num bairro onde apenas são visíveis prédios residenciais, campos de futebol e basquetebol, um parque infantil e uma escola secundária.
Esse é um enigma que Alexander, 45 anos, funcionário do Instituto de Estudo Ucranianos e também morador deste bairro, gostaria de esclarecer: "Aqui só há civis..."
Deste distrito, estima que metade da população fugiu nas primeiras semanas desde a invasão russa. Um proporção em linha com as cerca de duas milhões de pessoas que as autoridades de Kiev calculam terem abandonado uma cidade com mais de 3,5 milhões antes de guerra, que, nas últimas 48 horas, além dos bombardeamentos de edifícios civis, tem conhecido uma subida de intensidade nas frentes abertas nos arredores.
Logo ao início da manhã, o presidente da Câmara de Kiev, Vitali Klitschko, decretou o recolher obrigatório na capital, com entrada em vigor às 20:00 locais de hoje até às 07:00 de quinta-feira, reconhecendo que "este é momento perigoso e difícil".
Vai ser um dia e meio em que os habitantes que restam em Kiev vão ter de suster a respiração, face às ameaças de bombardeamentos e de tentativas de as forças russas apertarem o cerco à capital, ao fim de quase três semanas de invasão.
Durante este período, a presença nas ruas é proibida, incluindo para jornalistas, e tem como única exceção a procura de abrigos subterrâneos. "A capital é o coração da Ucrânia e será defendida", afirmou Klitschko, acrescentando que é ainda "o símbolo e a base avançada da segurança e da liberdade e não será abandonada".
No dia em que os primeiros-ministros da Polónia, República Checa e Eslovénia visitaram Kiev para expressar "o inequívoco apoio" da União Europeia à Ucrânia, e numa fase em que as diplomacias russa e ucraniana prosseguem conversações, a capital viveu um dia diferente.
Após o anúncio do recolher obrigatório, as artérias do centro e arredores de Kiev foram ocupadas por trânsito intenso e reforço de 'checkpoints', mais zelosos na verificação de documentos e revista de veículos. Vários acessos foram bloqueados, usando inclusive barreiras de velhos autocarros e elétricos, provocando longas esperas, e fazendo da circulação na cidade um jogo labiríntico à procura de uma saída.
Havia presença de mais militares, polícia e forças territoriais, bem como de carros de combate e uma maior movimentação de colunas do exército, além da transferência de peças de defesa antiaérea, a somar a aglomerações invulgares de pessoas nas ruas, alinhadas junto aos supermercados, à espera da sua vez para se abastecerem para os próximos dias.
Nas imediações de um edifício atingido, dezenas de pessoas colocavam-se em linha para encher bidons com água de um bebedouro de um parque infantil.
Ao fim do dia, o trânsito aumentou ainda mais e milhares de famílias abandonavam Kiev, à aproximação do início do recolher obrigatório e do cair da noite, que começou como se esperava: ao som de rebentamentos.
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