Após uma sucessão de mais de 50 demissões no governo e apelos de dezenas de deputados para se demitir, Johnson anunciou hoje a renúncia e abriu o caminho a um sucessor.
"O rebanho é poderoso e quando o rebanho se mexe, ele mexe-se e na política ninguém é remotamente indispensável", queixou-se, num discurso à porta da residência oficial em Downing Street.
Até agora, Johnson parecia quase imune a qualquer tipo de controvérsia, incluindo o opróbrio de ter sido o primeiro chefe de governo britânico a ser multado pela polícia por violar a lei em funções.
Uma investigação interna ao "partygate" encontrou "falhas de liderança e julgamento" ao serem permitidas festas durante a pandemia covid-19 em Downing Street, enquanto milhões de britânicos estavam fechados em casa sem ver família ou amigos.
Johnson pediu desculpas, mas muitos pensam que não foram sinceras.
Rory Stewart, derrotado na corrida pela liderança conservadora em 2019, considera que Johnson foi "provavelmente o melhor mentiroso que alguma vez tivemos como primeiro-ministro".
Hoje interrompida prematuramente, a carreira de Johnson foi feita de altos e baixos.
Do início constam os despedimentos do jornal The Times, por ter inventado uma citação, e, já como deputado, do governo sombra de Michael Howard por ter mentido sobre um caso extraconjugal.
Johnson é também conhecido pelos comentários ofensivos, chamando canibais aos habitantes da Papua Nova Guiné e comparando mulheres muçulmanas que usam véus de cobertura facial a "caixas de correio".
No entanto, o carisma e a rede de boas relações construída no colégio interno de Eton, frequentado por políticos, aristocratas e membros da realiza britânicos e, mais tarde, na universidade de Oxford, ajudaram-no.
Entre os sucessos contam-se dois mandatos como presidente da Câmara Municipal de Londres, a vitória do 'Brexit' no referendo de 2016 e a maioria absoluta nas eleições legislativas de 2019.
Conhecido pelo cabelo loiro despenteado, passagens em latim e sentido de humor aguçado, Alexander Boris de Pfeffel Johnson chegou a dizer que tinha tantas hipóteses de se tornar primeiro-ministro como de se encontrar Elvis em Marte.
O historiador Max Hastings, antigo chefe de Johnson no Daily Telegraph, descreveu-o como "um homem de dons notáveis, imperfeito por ausência de consciência, princípios ou escrúpulos".
Como correspondente em Bruxelas daquele jornal, especializou-se em histórias exageradas de desperdício e burocracia ridícula da União Europeia (UE), que ajudaram a virar a opinião britânica contra o bloco.
No entanto, apesar da contribuição para o Brexit, Johnson teve de esperar três anos pelo fracasso de Theresa May em fazer aprovar um acordo de saída da UE para chegar a primeiro-ministro.
Em dezembro de 2019, garantiu ao Partido Conservador a maior maioria parlamentar desde Margaret Thatcher nos anos 1980 com a promessa de concretizar o Brexit, o que aconteceu em 31 de Janeiro de 2020.
Apesar do slogan, o divórcio continua a ser um problema, com muitas questões ainda por resolver, incluindo o estatuto delicado da Irlanda do Norte, uma fonte contínua de fricção entre entre Londres e Bruxelas.
Logo depois, o mundo foi surpreendido pela pandemia covid-19, tal como Johnson, que inicialmente parecia relaxado acerca da ameaça que o novo coronavírus representava para o Reino Unido, país que acabou por tornar-se num dos com mais mortes.
A forma como Johnson, que esteve internado nos cuidados intensivos com a doença durante vários dias, geriu a pandemia divide opiniões, porque variou entre confinamentos e o levantamento rápido de restrições, ambos aplaudidos e criticados.
O investimento cedo no desenvolvimento e compra de vacinas e o sucesso do programa de vacinação ajudou a dar-lhe um impulso nas sondagens, mas Johnson continuou a ser ensombrado por escândalos.
Enfrentou alegações sobre um empréstimo que pediu a um militante conservador rico para as obras de renovação dos aposentos em Downing Street e foi acusado de subversão quando o governo tentou alterar as normas parlamentares para proteger um deputado culpado de tentar influenciar ilicitamente ministros.
O 'partygate' quase que o derrubou, mas sobreviveu a uma moção de censura interna graças, em parte, à forma resoluta como o Reino Unido apoiou militarmente, financeiramente e moralmente a Ucrânia contra a invasão da Rússia.
Porém, no final a gota de água foi a forma desastrosa como tentou minimizar as alegações de conduta sexual imprópria por um membro do governo que sabia ter antecedentes quando o nomeou.
Agastados, vários ministros que tinham defendido Johnson demitiram-se do governo em massa invocando uma questão de "integridade", não deixando Johnson outra escolha senão demitir-se também.
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