Eduardo dos Santos foi um "grande estadista" que "falhou" na Democracia

O antigo primeiro-ministro de Angola Marcolino Moco considerou que José Eduardo dos Santos foi "um grande estadista", que conseguiu manter a integridade territorial do país, no tempo da Guerra Fria, mas "falhou redondamente" na construção da democracia.

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Lusa
08/07/2022 16:38 ‧ 08/07/2022 por Lusa

Mundo

Marcolino Moco

Para o antigo líder do executivo angolano, no tempo em que José Eduardo dos Santos era Presidente da República, este "foi um líder que se orientou "muito bem".

"Naquele período da chamada 'Guerra Fria", em que nós africanos, tínhamos de optar por um ou outro lado, de outra forma não poderíamos ser políticos, ele [José Eduardo dos Santos] andou muito bem e salvaguardou a integridade territorial do Estado angolano", referiu.

Mas a "maior dificuldade teve na adoção deste novo modelo chamado construção de Estado democrático de direito", frisou.

Reconhecendo que não é fácil essa construção do Estado democrático no continente africano, Marcolino Mouco considerou, porém, que José Eduardo dos Santos "não soube" aproveitar a oportunidade para essa edificação quando terminou a guerra em Angola, em 2002.

"Houve uma discordância que podia ter ultrapassado no final da guerra, em 2002, mas não ultrapassou. Porque era nessa altura que se exigia, e se exige agora, acabar com o Estado de exclusão", afirmou.

Então, "num determinado modelo de partido único, que acabou em 1992, ele funcionou muito bem, mas teve dificuldades daí para cá na construção de um Estado Democrático de direito com características, naturalmente, africanas".

"E falhou redondamente, porque continuamos sob a sua égide, e agora também sob a égide de João Loureço [atual Presidente da República], a ter um Estado que é de exclusão", reforçou.

Por isso, "aquele que não for apoiante do Presidente da República e do partido governante tem de ficar de lado", acrescentou Marcolino Moço, que disse lamentar a morte do antigo chefe de Estado, um homem com quem privou.

"Os aspetos negativos, infelizmente para ele [José Eduardo Dos Santos] foram os últimos, acentuaram-se mais nas últimas décadas do seu 'consulado'", continuou.

Na opinião do antigo primeiro-ministro de José Eduardo dos Santos, este também deveria ter solenizado "um pouco mais a entrega do poder a outra pessoa, com um discurso mais profundamente autocrítico".

Mas "não o fez, e por isso não se separou as águas. E esse legado negativo que ficou de um grande estadista, que não conseguiu transformar o Estado de luta pela sua democratização a favor de todos os angolanos, nas mais diversas dimensões, na dimensão étnica, regional, de classes, infelizmente deixa esta imagem, que hoje está a ser bem aprofundada pelo seu substituto".

Para Marcolino Moco, "até na escolha do substituto" José Eduardo dos Santos "não foi feliz".

Apesar de tudo, disse que hoje recebeu uma notícia "chocante", quando soube do falecimento do antigo chefe de Estado do seu país.

"Embora tenha sido uma morte já esperada há algum tempo, é sempre chocante para uma pessoa, como eu, que trabalhou próximo dele vários anos, não obstante as naturais divergências que tivemos", disse, endereçando os pêsames "especialmente à família" de José Eduardo dos Santos.

O antigo Presidente de Angola morreu hoje aos 79 anos numa clínica em Barcelona, Espanha, após semanas de internamento, anunciou hoje a presidência angolana, que decretou cinco dias de luto nacional.

José Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto como Presidente de Angola em 1979 e deixou o cargo em 2017, cumprindo uma das mais longas presidências no mundo, marcada por acusações de corrupção e nepotismo.

Em 2017, renunciou a recandidatar-se e o atual Presidente, João Lourenço, sucedeu-lhe no cargo, tendo sido eleito também pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que governa no país desde a independência de Portugal, em 1975.

Leia Também: Cavaco recorda Eduardo dos Santos como "artífice decisivo" para a paz

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