"A TACV está na fase de transição da saída da grave crise provocada pela pandemia da covid-19 no setor dos transportes aéreos. Retomou os voos, a reestruturação e redimensionamento da empresa irá ser concluída, um novo aparelho será introduzido na frota e a normalização irá acontecer", afirmou, ao intervir na abertura do anual debate sobre o estado da Nação, que decorre hoje na Assembleia Nacional, na Praia.
A gestão da companhia Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), que opera com a designação comercial Cabo Verde Airlines (CVA) e utiliza um avião Boeing 737-700 alugado à angolana TAAG, renacionalizada em julho de 2021 devido aos efeitos da pandemia, voltou a ser tema de troca de acusações entre o Governo e os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição desde 2016).
No último mês, a companhia ficou temporariamente impedida de voar para a Europa, por não ter renovado um certificado, e viu o Governo anunciar um acordo extrajudicial com os islandeses da Icelandair, que lideraram a TACV entre março de 2019 e julho de 2021, devido à renacionalização forçada pelo Governo.
Entretanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou este mês que a companhia vai precisar de mais 30 milhões de euros do Estado até 2023.
Na resposta às críticas dos deputados do PAICV, que governou Cabo Verde de 2001 a 2016, Ulisses Correia e Silva recordou que quando chegou ao Governo a TACV "estava em situação de insolvência e pré liquidação".
"Capitais próprios menos 9,3 milhões de contos [9.300 milhões de escudos, 83,7 milhões de euros], passivos de 12,2 milhões de contos [12.200 milhões de escudos, 110 milhões de euros]. Em vias de liquidação", apontou o primeiro-ministro.
A TACV suspendeu os voos comerciais em março de 2020, devido às restrições nos voos para conter a pandemia de covid-19 e só retomou a operação, já de novo nas mãos do Estado cabo-verdiano, em dezembro passado, ao fim de 21 meses, com ligações entre a Praia e Lisboa, alargadas já este ano da capital portuguesa também às ilhas do Sal e de São Vicente.
Reagindo às fortes críticas da oposição à forma como o atual Governo (liderado desde meados de 2016 pelo Movimento para a Democracia - MpD) tem conduzido o dossiê da companhia aérea, Ulisses Correia e Silva recordou que em 2014 e 2015, durante a governação do PAICV, dois aparelhos ATR 72-500 da TACV, "que estavam pagos em 75% e faltavam dois anos para passar a ser propriedade da empresa tiveram que ser entregues" à locadora, por a transportadora ter "entrado em incumprimento".
Outro dos exemplos apontados pelo primeiro-ministro foi o arresto, fora do país, de um Boeing da TACV, também devido ao pagamento de leasing.
"Não nos venha dizer que nós desmantelámos a indústria aeronáutica. O que nós fizemos foi salvar a indústria aeronáutica, salvar aquilo que deixaram totalmente perdido", acusou Ulisses Correia e Silva.
"A perda dos ATR, a perda do Boeing arrestado em 2016, é claro que influenciou fortemente aquilo que é a situação da empresa. Fortemente. Porque podíamos estar com os ATR e sem necessidade de fazer mais leasings e até a solução que foi feita na altura", disse ainda.
A Assembleia Nacional discutiu na quinta-feira a prorrogação por mais 90 dias dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a privatização da TACV.
Na proposta de resolução é alegado que o prazo concedido à CPI (180 dias) mostrou-se "insuficiente", pedindo por isso a prorrogação do prazo inicial por mais 90 dias a contar a partir de 07 de setembro.
Esta CPI foi solicitada em fevereiro deste ano pelo PAICV, que, entretanto, acusou o Governo de não fornecer documentos necessários aos trabalhos da comissão, o que levou por várias vezes a troca de acusações no parlamento com os deputados do Movimento para a Democracia (MpD, no poder).
De acordo com o teor da resolução que a constituiu -- de teor obrigatório - esta CPI visa também analisar a liquidação da operação da TACV nos voos domésticos, que desde novembro de 2016 passaram a ser assegurados apenas por uma única companhia aérea privada.
Em março de 2019, o Estado de Cabo Verde vendeu 51% da TACV por 1,3 milhões de euros à Lofleidir Cabo Verde, empresa detida em 70% pela Loftleidir Icelandic EHF (grupo Icelandair, que ficou com 36% da Cabo Verde Airlines -- nome comercial da companhia) e em 30% por empresários islandeses com experiência no setor da aviação (que assumiram os restantes 15% da quota de 51% privatizada).
Entretanto, na sequência da paralisação da companhia durante a pandemia de covid-19, o Estado cabo-verdiano assumiu em 06 de julho de 2021 a posição de 51% na TACV, alegando vários incumprimentos na gestão, e dissolveu de imediato os corpos sociais.
Em 26 de novembro, a Loftleidir Cabo Verde anunciou que deu início a um processo arbitral contra o Estado cabo-verdiano alegando "violação dos acordos celebrados entre as partes", face à renacionalização da companhia aérea de bandeira TACV.
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