Se o novo Governo, que tomou posse há uma semana, se mantém calado, as paredes das ruas das principais cidades italianas são hoje palco de um autêntico debate.
Em Roma, perto do Coliseu, a manhã 'trouxe' um cartaz anónimo com a frase "28-X-2022: sabemos como termina" acompanhada da foto de Mussolini de cabeça para baixo - para lembrar o fim do ditador, em 1945, dependurado por anti-fascistas na Piazzale Loreto, em Milão, ao lado da sua amante, Claretta Petacci.
Mas, mais tarde, alguém endireitou a foto de Mussolini e colou um cartaz dizendo: "cem anos depois, a Marcha continua". O 'debate' terminou apenas quando os cartazes foram removidos pela polícia.
Também na capital, o cemitério de Verano foi palco de uma tentativa de militantes neofascistas para levar flores aos "mártires fascistas e neofascistas", mas foram travados no portão porque a edilidade fechou o espaço todo o dia, por "razões de ordem pública".
Em 28 de outubro de 1922, milhares de fascistas marcharam em direção à capital italiana, ameaçando tomar o poder. No dia seguinte, o rei pediu a Mussolini para formar governo, dando início à ditadura fascista.
Nenhum comentário sobre a data foi feito pelo partido de Giorgia Meloni, Irmãos da Itália (FdI) e o mais provável é que o novo Governo se mantenha em silêncio sobre o aniversário fascista.
"Acredito que Meloni e os outros dirigentes da FdI farão tudo para não comentar no dia, porque se o fizessem só poderiam falar mal, e ao fazê-lo dececionariam um parte do seu eleitorado que vem dessa história neofascista", disse à Lusa Claudia Fusani, jornalista política de Il Riformista.
Numa entrevista de Meloni, dada aos 19 anos, quando era líder do antigo Movimento Social Italiano, principal formação neofascista do pós-guerra, a agora primeira-ministra italiana elogiou Mussolini, considerando que foi um bom político e que tudo o que fez foi pela Itália.
Agora, a líder dos FdI não repete esses elogios, mas isso não impediu o seu antecessor na liderança do Irmãos de Itália, Ignazio la Russa, de proferir uma frase que ficou colada ao partido: "Nós somos herdeiros do Duce".
Também em Paternò, na Sicília, terra natal de Ignazio La Russa, agora presidente do Senado, apareceram cartazes comemorando a marcha sobre Roma, mas foram imediatamente condenados pelos líderes locais dos FdI.
Dois deputados regionais, Francesco Ciancitto e Gaetano Galvagno, disseram num comunicado que "foi um ato irresponsável e mesquinho".
"No dia em que a presidente Giorgia Meloni remete à História, de forma inequívoca, definitiva e clara, a condenação das leis raciais, em Paternò, mão anónima descuidadamente autorizada pela municipalidade através do serviço de 'outdoors', enche a cidade de cartazes provocativos que comparam a marcha sobre Roma à instalação do atual governo", criticaram.
Em Predappio, cidade natal de Mussolini, realizou-se a cerimónia de comemoração da libertação da cidade, em 28 de outubro de 1944.
Na mesma cidade, será realizado no domingo um desfile da associação neofascista "Arditi d'Itália", para celebrar a marcha sobre Roma. Os 'Arditi' foram uma das divisões do exército do Reino da Itália durante a Primeira Guerra Mundial e, segundo os historiadores, muitos veteranos dessa divisão também participaram na marcha sobre Roma há 100 anos.
Derrotado nas últimas eleições, o Partido Democrático (PD) recordou hoje Giacomo Matteotti, deputado e jornalista socialista sequestrado e assassinado em 1924 por um esquadrão fascista.
Emanuele Fiano, um dos dirigentes do PD responsável pela política externa, disse à Lusa no local que Matteotti foi assassinado porque se preparava "para revelar a Itália, com provas e documentos, as fraudes e corrupção que tinham lugar no Palazzo Chigi (sede do governo) e no Ministério do Interior".
"Lembrando-o, lembramos uma página essencial de ensino da história deste país, porque a democracia passa pelo parlamento. As formas de simplificação são perigosas e a chegada do fascismo não é algo para se lembrar com uma pequena cerimónia ou com uma frase durante um discurso", adiantou o dirigente do PD, filho de Nedo Fiano, que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz.
"Precisamos estudar o nascimento do fascismo, e entender como uma ditadura pode ter consentimento popular. Como a raiva, a frustração e o medo podem evocar o apelo por um homem forte no comando e uma limitação das liberdades", adiantou num cais do rio Tibre, onde uma placa evoca o local do sequestro de Mateotti.
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