"Provavelmente, as eleições não resolverão nada no país. O cenário mais provável é a participação eleitoral muito baixa, porque a maioria dos tunisinos perdeu a confiança no Presidente [da Tunísia, Kais Saied] e também não confiam muito na oposição", sustentou Riccardo Fabiani numa entrevista à agência Lusa, em Lisboa.
Quase nove milhões de eleitores estão aptos para votar nas legislativas tunisinas, para eleger um Parlamento que, face a uma polémica reforma eleitoral concretizada após a exoneração do Governo, em julho de 2021, e a destituição do Parlamento, formalizada em março deste ano, não terá poderes reais, tanto mais que a oposição já anunciou um boicote.
Se as ações de Saied acabaram por pulverizar uma democracia aparentemente viável na sequência da primeira revolta da Primavera Árabe, em 2011, para Fabiani os tunisinos nunca confiaram, de qualquer forma, na agora oposição, agora vista como "responsável, enquanto poder, por uma década de corrupção, desemprego e aumento da dívida pública".
"O novo Parlamento não será capaz de representar os interesses e os problemas do povo tunisino. Não acho que o provável fracasso das eleições possa parar o Presidente ou atrapalhar a transição para um novo sistema autoritário", sublinhou.
Para o diretor do Programa para o Norte de África do ICG, o "risco maior" é que a crise de confiança entre Kais Saied e o povo tunisino continue e que, em algum momento, possa haver uma tentativa do exército ou de qualquer fação ou grupo dentro das forças armadas de intervir para acabar com esta situação.
Segundo Fabiani, o sistema definido por Saied desde julho de 2021 "não pode ser considerado, porém, um regime totalitário".
"A repressão sobre os opositores e sobre a sociedade civil não é sistemática, mas episódica, irregular. Acho que o regime do Presidente tunisino é politicamente desajeitado, tentando, paralelamente, ser autoritário pela falta de credibilidade e de raízes na sociedade tunisina, podendo apenas confiar nas forças armadas", sustentou.
"O Presidente está a ficar cada vez mais isolado e impopular, não parece perceber nenhuma lógica política, é apenas um professor de direito constitucional sem experiência política e nos últimos meses não conseguiu encontrar ou oferecer nenhum remédio para os problemas económicos e sociais e para a dívida pública que continua a crescer", acrescentou.
Nesse contexto, prossegue Fabiani, o último ano e meio tem sido "caótico, sem uma clara orientação" por parte de Saied ou da comunidade internacional, "que fica dividida" entre os países mais críticos da atual situação, como os Estados Unidos, e os governos mais disponíveis, como a França e Itália, para apoiar o "confuso plano de ação do Presidente".
"Ambos os lados receiam que a queda do Saied possa desestabilizar um país importante para a segurança da região e para o controlo dos fluxos migratórios", frisou.
A nova Assembleia de 161 deputados substituirá a que Saied havia destituído a 25 de julho de 2021, após meses de bloqueios políticos no sistema em vigor desde o derrube da ditadura de Zine El Abidine Ben Ali, em 2011.
Se o Parlamento era um polo de poder com vastas prerrogativas, o que emergir das legislativas, no final de uma segunda volta marcada para fevereiro ou março, será dotada de poderes muito limitados sob uma nova Constituição que Saied fez aprovar no verão passado num referendo marcado por uma elevada abstenção (quase 70%).
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