Desiludidos, moradores da antiga 'cidade paralela' bolsonarista tentam a união

Os poucos bolsonaristas acampados em Brasília contra o 'comunismo' procuram a união e reagrupar os poucos 'soldados da liberdade' que ainda restam entre o desânimo por, finalmente, perceberem que Lula da Silva é mesmo Presidente do Brasil.

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© Andressa Anholete/Getty Images

Lusa
07/01/2023 22:58 ‧ 07/01/2023 por Lusa

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Brasil

Poucos dias antes do final do ano, e de Lula da Silva subir a rampa do Palácio do Planalto, no dia 01 de janeiro, o cenário no acampamento era bem diferente. Havia a certeza entre os milhares de 'resistentes' de que as forças armadas iriam "salvar o povo brasileiro" contra o "demónio vermelho" que aí vinha.

"Mais 72 horas" e algo acontecerá. Era esta a expectativa constante dentro dos vários acampamentos espalhados pelo Brasil montados a partir de 30 de outubro, dia das presidenciais.

Acreditava-se que as forças armadas iriam reverter o resultado das eleições e colocar Jair Messias Bolsonaro no 'trono'. Por várias vezes acreditou-se na prisão de Alexandre de Moraes, o juiz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inimigo número um dos bolsonaristas.

Estes momentos criavam explosões de euforia dentro destas 'cidades paralelas'.  As redes de informação de 'influencers' radicais iam inundando as plataformas sociais, no Twitter, YouTube, WhatsApp e Telegram, com falsas esperanças, criando a sensação de que algo bombástico ira acontecer. Um deles, Oswaldo Eustáquio, tinha um autentico estúdio de televisão montado na acampamento em frente ao Quartel-General em Brasília.

Mas, afinal, nada aconteceu e Lula subiu mesmo a rampa no primeiro dia do ano. A outrora 'cidade paralela' - que chegou a albergar 10.000 pessoas, com uma rua de restaurantes, frutarias, cabeleireiros, loja de roupa, churrascarias, centenas de casas de banho -- praticamente acabou.

Restam apenas algumas dezenas de tendas, um palanque para os oradores e pastores improvisados e uma dúzia de casas de banho. A 'cidade paralela' transformou-se numa pequena aldeia que, dali, procura resistir ao comunismo, ao vermelho, à ideologia de género e à censura. "Lutamos pela liberdade", diz à Lusa um dos resistentes da agora 'pequena aldeia gaulesa. Mas falta poção.

Sentada na escadaria de frente para o Quartel-General, uma senhora na casa dos 60 anos, aposentada residente em Brasília, vestida com uma camisola amarela e sentada num pequeno banco de plástico conta à Lusa que não pretende abandonar o acampamento.

"Juramos pela nação e eu ainda honro o exército", afirma, acrescentando que esta luta não é mais por Bolsonaro, mas sim "pelo Brasil".

"Bolsonaro foi para os EUA porque ia ser preso na quarta-feira", explica à Lusa um homem que se identificou como camionista, que parou para conversar com a reformada brasiliense, justificando assim a ida do ex-Presidente brasileiro para Orlando, por tempo indeterminado.

A mulher ao se aperceber que o homem era camionista começa depois a recordar os 'gloriosos tempos' do acampamento, que persiste há mais de 60 dias.

"Estavam todos ali estacionados e às 16:00 buzinavam", relembra, melancólica, quase a chorar.

O camionista conta que participou em vários bloqueios de estradas, que procuraram paralisar o país e assim chamar as forças armadas, e que chegou ao acampamento na quinta-feira para no fim de semana tentar invadir a praça dos três poderes.  

Nos grupos de redes sociais bolsonaristas esse é o apelo. Dizem que estão a chegar centenas de autocarros e camiões vindos de todo o país para invadir Brasília. Mas, tal como a história do 'Pedro e do Lobo', não se sabe se é verdade.

Na sexta-feira, foi desmantelado um acampamento na cidade de Belo Horizonte, que também estava montado há mais de 60 dias. Questionada se tinha receio que isso pudesse acontecer também em Brasília, a aposentada disse não acreditar "porque este terreno pertence ao exercito".

Na quinta-feira, o novo ministro da justiça, Flávio Dino, disse acreditar que a "expectativa é de que essa persuasão funcione, ou seja, que as pessoas se convençam de que elas têm todo o direito de não gostar do governo, mas que elas não têm o direito de descumprir a lei em nome de não gostar do governo".

Mas, avisou que exitem "mecanismo necessários" para um desmantelar o acampamento. "Espero que isso não aconteça", frisou.

Uns metros mais à frente da escadaria onde se encontrava a mulher, um homem que se identificou como "índio e evangélico" começa a pregar para cerca de duas dezenas de pessoas.

"Tudo o que estamos fazendo é brigando pela libertação do nosso e "cada um que está em Brasília sabe o que nós vamos fazer", declara, para delírio dos ouvintes. "Estou com Deus na frente e em segundo estamos nos", termina.

Ao sair do palanque, aproxima-se um homem e diz ao cacique: "Amanhã [hoje] vou lá, com você na frente, estou falando sério", diz, referindo-se à suposta manifestação que acontecerá na Praça dos Três Poderes.

De seguida sobe ao palco uma mulher - acompanhada por um outro homem que empunhava um quadro de Jesus - que montou uma igreja evangélica no acampamento há 67 dias.

A mulher pede a Deus que "retire o espírito de divisão entre os manifestantes e na direita" e apela à união de todos ali presentes para combater a descrença instalada.

"O comunismo é a religião do demónio", garante, contando depois que o que viu durante as celebrações da tomada de posse de Lula da Silva foi "macumba".

"Todo o mundo fazendo macumba. Para criar um espírito divisor", diz aos seus ouvintes.

A mulher pede depois aos presentes para fazerem um minuto de silêncio em prol da união entre os manifestantes. No fim, rezou-se um "Pai Nosso".

Leia Também: Desflorestação da Amazónia bateu recorde no último ano de Bolsonaro

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