"Rússia tornou-se tóxica no ocidente" e perdeu "poder para corromper"

A Rússia já perdeu estrategicamente a guerra com a Ucrânia, independentemente do seu desfecho, ao tornar-se "tóxica" no ocidente e sem ter ganho amigos totalmente fiéis noutras latitudes, indicou à Lusa o investigador Arkady Moshes.

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Lusa
03/02/2023 08:30 ‧ 03/02/2023 por Lusa

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Rússia

"Por um lado, e para além da duração da guerra e o seu desfecho, a Rússia já perdeu estrategicamente. Perdeu economicamente, perdeu os seus mercados de energia que não vão regressar, perdeu as perspetivas de investimento pelo dinheiro do ocidente, perdeu uma espécie de 'poder suave' que tinha no ocidente, incluindo o poder para corromper", sustentou em entrevista por telefone à Lusa o diretor do programa para a Europa de leste e Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA), sediado em Helsínquia.

"A Rússia tornou-se tóxica no ocidente, e não ganhou necessariamente amigos noutras latitudes. O sul global está a observar o que se passa, mas não tem pressa em ajudar a Rússia" adiantou. "Mesmo a China, mesmo a Índia, tendem a equilibrar as suas respostas e outros países, em África ou na América Latina, não podem simplesmente substituir aquilo que o ocidente oferecia à Rússia em termos económicos", adiantou Moshes.

Uma "derrota estratégica" que na perspetiva de Arkady Moshes, 56 anos e também membro do Programa de Novas Abordagens sobre Pesquisa e Segurança na Eurásia (PONARS, Eurásia), se pode prolongar durante décadas.

"Porque a Rússia se tornou numa entidade 'tóxica', os passaportes russos tornaram-se 'tóxicos', algumas vezes de forma injusta... Em alguns exemplos que conheço, mesmo no meio académico, os russos são encarados com suspeição e cada vez mais cidadãos estão a ser responsabilidade ou mesmo culpados por aquilo que o Governo está a fazer", disse Moshes.

Uma situação que pode comprometer por muito tempo o futuro do país, sublinha.

"É muito mau para o futuro do país. Em termos demográficos, quando se pensa nas centenas de milhares de jovens que vão morrer, que não terão filhos... A Rússia não está numa situação em que possa suportar isso".

Arkady Moshes deteta um novo "paradoxo" na situação interna do grande país euro-asiático: "Estrategicamente, a Rússia está a perder muito. Mas o paradoxo é que o regime pode continuar. É um regime autoritário consolidado, a caminho de se tornar totalitário, a sua propaganda funciona, ainda tem dinheiro para prosseguir a sua política, e há muito pouca resistência da sociedade".

O investigador recorre a uma recente sondagem na Rússia que indica o apoio da maioria da população ao prosseguimento da guerra, mas com metade a defender em simultâneo negociações de paz, respetivamente 70% e 50% dos inquiridos.

No entanto, sublinha que o atual contexto é diverso do registado há apenas dois anos.

"A oposição foi reprimida, não existem forças políticas como existiam há dois anos, que poderiam mobilizar as oposições numa ação política. Os seus líderes estão praticamente silenciosos, sem coragem para contestar", frisou.

O controlo quase absoluto da situação pelo regime constitui para o investigador o principal fator a nível interno, e que se acentuou com o início da invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.

"O regime tem o controlo, e enquanto a situação continuar mais graves e mais longas serão as consequências para o país. É a realidade em que vivemos. De momento, não penso que exista a perspetiva de uma mudança de regime na Rússia, irá reproduzir-se no poder e se ocorrerem eleições em março próximo, muito provavelmente [o Presidente Vladimir] Putin continuará no poder", concluiu.

Leia Também: Eventual derrota da Rússia não deve implicar "ameaça existencial"

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