"Isto vai naturalmente escalar, ainda estamos muito no princípio", afirmou à agência Lusa o médico português, que trabalha atualmente para a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Habituado a lidar com este tipo de desastres naturais, Nelson Olim lembrou que "o número de mortos e feridos cresce exponencialmente nos primeiros dias" e sublinhou que não é difícil acreditar em valores muito mais altos.
"Quando se ouve falar que 6.000 edifícios ruíram, basta pensar que, se houvesse uma pessoa em cada edifício, seriam 6.000 mortos, mas se estivessem 10 pessoas em cada edifício, o número será de 60.000 mortos", apontou.
Em relação aos feridos, o especialista indicou que, em geral, "por cada morto, há, pelo menos, três a quatro feridos".
"Se me disserem 'neste momento há 10.000 mortos', posso rapidamente imaginar que há, pelo menos, 30.000 a 40.000 feridos", referiu Nelson Olim, adiantando que, desses, uma fatia de cerca de 10% a 15% terá, "provavelmente, morrido nas primeiras 24 horas", mas ainda há muitos outros para contabilizar.
O balanço provisório do sismo de magnitude 7,8 na escala de Richter que atingiu o sudeste da Turquia e o norte da vizinha Síria na segunda-feira -- e que foi seguido de várias réplicas -- ultrapassava hoje ao início da tarde os 11.200 mortos.
Segundo o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, o país já regista 8.574 mortos, enquanto na Síria, que vive em guerra há mais de uma década, foram retirados 2.662 corpos dos escombros.
Para Nelson Olim, a prioridade agora deverá ser o grupo de pessoas que vai necessitar de cuidados médicos, como cirurgias, nos primeiros sete dias.
"Estamos a falar de pessoas que têm fraturas expostas, traumatismos cranianos, lesões que não matam imediatamente mas que vão requerer atenção nesta semana", explicou, indicando que este grupo deverá ser composto por pelo menos 15.000 pessoas "nesta fase".
A estratégia a adotar -- e que já está em curso - "passa por trazer recursos de fora das zonas afetadas para montar hospitais de campanha que possam cuidar das pessoas", enquanto o "plano B" passa por levar os feridos para áreas que ainda estão intactas e onde ainda há alguma capacidade para atuar, defendeu o especialista.
Estratégia que deverá desenvolver-se de forma muito diferente na Turquia e na Síria, segundo reconheceu Nelson Olim.
"A Turquia tem uma capacidade enorme de mobilização de recursos, [mas] a situação na Síria é mais complicada, com acessos muito difíceis, e não estou a falar propriamente do acesso físico, mas do acesso ao nível político", referiu.
Por isso, considerou, "haverá zonas na Síria onde a tragédia será bastante maior do que aquela que se vê na Turquia, sendo que não vai ser noticiada e, provavelmente, não vai ter o palco mediático que a Turquia tem neste momento".
O especialista avisa ainda que um episódio como o que está a ser vivido na Turquia e na Síria "marca para a vida" e constitui "um trauma" quer para as vítimas quer para quem está no terreno a desenvolver as operações de busca e salvamento.
"Muita gente ficará, por exemplo, com medo de dormir dentro de quatro paredes", disse Nelson Olim, referindo que estas pessoas ficarão com a sensação de que o prédio onde estão a viver pode colapsar.
Além deste receio, uma outra característica deste tipo de desastres irá marcar todos, de acordo com o especialista.
"Provavelmente, a partir de hoje ou amanhã, o cheiro dos cadáveres vai começar a intensificar-se", alertou Nelson Olim, avisando que "é uma experiência extremamente traumática" passar perto de um edifício colapsado e "sentir o cheiro de cadáveres lá dentro".
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