Em entrevista à Lusa na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque, Hoxha, cujo país é membro não-permanente do Conselho de Segurança, pediu cautela face às críticas dirigidas ao ex-primeiro-ministro português, embora admitindo que Guterres possa ter sido surpreendido pela invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022.
"Criticar as instituições internacionais é um lugar-comum. (...) Acho que o secretário-geral estava - e ele mesmo admitiu -, entre os que achavam que aquela agressão não aconteceria. E desculpou-se publicamente por pensar positivamente. Mas as coisas, infelizmente, aconteceram. E desde o primeiro momento, ele foi muito claro. Portanto, eu realmente seria muito cauteloso com as críticas ao secretário-geral e ao Conselho de Segurança da ONU", defendeu o diplomata.
"Acho que o secretário-geral desempenhou um papel importante. Mobilizou o sistema da ONU em termos de assistência à Ucrânia em todos os lugares, sem distinção. Foi fundamental em momentos muito importantes em Mariupol para a troca de prisioneiros, para tirar as pessoas. E ele teve um papel de destaque permanente, junto com a Turquia, no acordo dos cereais. E isso é muito importante porque aliviou uma das consequências mais importantes, que era a insegurança alimentar por causa da guerra. Logo, acho que devemos ter uma visão muito mais ampla", acrescentou.
Contudo, o embaixador albanês legitimou o descontentamento que parte da população possa sentir em relação à atuação das organizações internacionais, admitindo que também ele está "entre os mais infelizes" por ver o Conselho de Segurança "bloqueado, incapaz, sequestrado, feito refém".
"Eu achava que vínhamos aqui para trabalhar, alcançar resultados, fazer (...) e salvar vidas. E quando vemos que não fazemos isso, é claro que enganamos a opinião pública internacional e não assumimos as responsabilidades. Mas essas são as dinâmicas. Foi assim que o Conselho foi construído, com cinco membros permanentes que têm um poder inigualável em comparação com os outros. E os dez eleitos têm uma voz forte, têm o poder de mobilização", lamentou.
Para o diplomata, a madrugada da invasão da Ucrânia foi um 'divisor de águas' para a missão albanesa na ONU, que se viu arrastada para o centro das discussões no Conselho de Segurança e com as prioridades trocadas subitamente.
O pequeno país dos Balcãs acabava de iniciar o seu primeiro mandato como membro não-permanente do Conselho de Segurança, longe de imaginar que, ao lado dos Estados Unidos (EUA), assumiria a liderança do dossier da guerra da Rússia na Ucrânia.
"Para nós, tudo mudou [naquela noite]. Estávamos a preparar-nos para entrar no Conselho pela primeira vez na nossa história. Eu e a equipa estávamos apenas a tentar ver como lidaríamos com essa responsabilidade importante e incomparável. (...) Mas então, quando a guerra começou na noite de 23 aqui [em Nova Iorque] e 24 na Europa, tudo mudou", relatou o embaixador sobre a trágica noite.
"Mudamos o nosso programa, as nossas prioridades, os nossos projetos, as nossas atividades. Tivemos que nos adaptar muito rapidamente. E este foi um conflito a acontecer na Europa do Leste. Eu venho do Leste Europeu e nós, na verdade, fomos o único membro eleito da Europa do Leste [para o Conselho de Segurança]. Então, tínhamos que estar realmente na vanguarda", lembrou.
Ferit Hoxha, de 55 anos, já havia ocupado vários cargos importantes na diplomacia do seu país, incluindo uma passagem anterior como embaixador nas Nações Unidas de 2009 a 2015.
Mas não foi só a sua delegação a sair abalada daquela madrugada de 24 de fevereiro. Também os alicerces da própria ONU voltaram a 'estremecer', com as suas dinâmicas a ficarem "muito complicadas" depois do conflito, segundo o diplomata.
Com a guerra a entrar na marca de um ano, o representante da Albânia assegurou que o conflito não cairá no esquecimento do Conselho de Segurança, pretendendo continuar a convocar reuniões sempre que sentir a necessidade de "expor o que a Rússia está a fazer".
"É preciso reunir o mundo em apoio a um país que tem o direito, inclusive legalmente, conforme consagrado no Artigo 51 da Carta, que diz que quando um país é atacado, outros países podem vir em seu auxílio. E é isso que o mundo ocidental está a fazer, não porque esteja em guerra com a Rússia. Ninguém está em guerra com a Rússia. A Rússia é que está em guerra com todos, com o mundo", concluiu.
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