O cheiro a carvão impregna o ar em Pokrovsk, uma pequena cidade industrial, como outras nesta parte do Donetsk. A extração de carvão é a principal atividade de grande parte da população, que hoje vive em sobressalto, como grande parte do país, por causa da invasão que a Federação Russa iniciou há 364 dias.
Mas esta cidade não goza da mesma sensação de paz que outras como Kiev ou Lviv. A linha da frente está a poucos quilómetros e como aconteceu em outras com uma proximidade semelhante, marcas do conflito estão cravadas nos edifícios. A presença de militares e de veículos de combate faz hoje parte do quotidiano e perto da estação de comboios foi instalado um armazém de munições.
Quando a invasão russa começou, Mariupol foi uma das primeiras cidades a ser ocupada, assim como outras cidades da região de Lugansk. A população fugiu e parte dela encontrou refúgio em Pokrovsk. O mesmo sucede agora para habitantes de Bakhmut.
Artyem Parhomenko é o proprietário de uma academia de dança nos arredores da cidade, um edifício amarelo, com o telhado verde. Ao entrar é possível ouvir estrondos, mas não são de artilharia.
São os pés das crianças que agora frequentam a creche instalada na academia.
"Mais de 80 por cento das pessoas e do staff são deslocados de Mariupol, Bakhmut e de outras partes do Lugansk", explica Artyem à Lusa.
Enquanto conversa com a Lusa, um grupo de crianças à volta está a correr desenfreadamente, de um lado para o outro, há carrinhos de brincar, peluches, marcadores e folhas para pintar, tudo o que se poderia encontrar numa creche normal. Não fosse a fita-cola em forma de "X" nas janelas para impedir que os estilhaços se propaguem, poderia ser uma creche em qualquer parte do mundo sem guerra.
Com 37 anos, Artyem é o proprietário desta academia e de mais outras duas, que encerraram temporariamente: a primeira foi encerrada por decisão do Governo de Kiev quando as Forças Armadas instalaram um armazém de munições ali perto, enquanto a segunda "foi destruída há quatro dias, durante um bombardeamento".
As imagens que tem no telemóvel e mostrou à Lusa expõem o cenário que se encontra um pouco por todo o Donetsk, nesta região. Telhados perfurados pela artilharia e paredes que cedem ao impacto e calor dos projéteis. As colunas de música e o os acessórios utilizados no estúdio de dança dividem agora o espaço com estilhaços, pedaços do revestimento do edifício, vidros e água da chuva.
Artyem tenta proporcionar a esta crianças, e a outras mais velhas que já podem integrar a academia de dança, uma sensação de normalidade, mas sabe que "a qualquer momento pode ser preciso sair da cidade".
A cadência dos bombardeamentos aqui é inconstante. "Podem passar-se semanas sem um e depois há uns quantos", que caem sempre aleatoriamente pela cidade, relata, exemplificando com a academia que foi destruída e "estava no meio da cidade".
"Estou contente por poder estar aqui e a trabalhar, com calma, mas a qualquer momento sei que posso ter de sair. Aconteceu o mesmo com a minha mulher e filhos, que estavam em Mariupol e tiveram de sair de lá", admite.
E aqui "não há sirenes" para os avisar da artilharia disparada a partir da linha da frente, que está cada vez mais perto, com o avanço das tropas russas, ainda que lento por causa das temperaturas entre os -08 e os -16ºC.
"É uma cidade pequena, as sirenes só existem nas cidades grandes. Esta pode estar perto da linha da frente, mas ninguém nos avisa, só sabemos quando já chegou", lamenta.
Pelas 14:30, acabaram as "aulas" por hoje. Não há toque, mas os pais das crianças já estão a chegar para as vir buscar. No andar de baixo vão começar as atividades da tarde e os ensaios de dança.
Nesta academia vive-se a normalidade possível durante as poucas horas de luz que o inverno rigoroso permite.
Lá fora, o cenário é outro para estas crianças deslocadas: uma cidade que não é a sua e a incerteza em relação ao próximo bombardeamento.
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