Itália defende-se de críticas por naufrágio mortal apontando à UE

O naufrágio que fez dezenas de mortes na Calábria (sul de Itália), expôs a fortes críticas de ONG o Governo liderado por Giorgia Meloni, que se defende pedindo a Bruxelas apoio para o problema das migrações.

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Lusa
28/02/2023 08:53 ‧ 28/02/2023 por Lusa

Mundo

Itália

O ministro do Interior, Matteo Piantedosi, é foco principal das críticas, por ter colocado o ónus do desastre de domingo sobre os mais de 60 migrantes que morreram num naufrágio na costa da Calábria, dizendo que "o desespero [dos migrantes adultos] nunca pode justificar condições de viagem que ponham em perigo a vida dos filhos", quando muitas das vítimas eram crianças e adolescentes.

Emanuele Nannini, chefe de Pesquisa e Resgate da Emergency, uma ONG italiana ativa em várias zonas de guerra, contrapõe que o naufrágio "é resultado de escolhas políticas que impedem vias de acesso legais e seguras à Europa" para os migrantes.

"Estamos indignados com o fato de as questões e causas que levam a essas migrações não serem abordadas. Muitas pessoas que morreram nesta tragédia vêm do Afeganistão ou do Iraque, países que conhecemos muito bem, que vivem uma situação dramática também por causa das guerras que provocamos e que fizeram com que essas pessoas fossem obrigadas a fazer essa escolha", afirmou Nannini à Lusa. 

"Conhecemos bem os países de onde vêm essas pessoas e é impensável fechar os olhos a esses factos", adiantou Nannini.

Na segunda-feira, os Médicos Sem Fronteiras (MSF) classificaram as declarações dos governantes italianos como uma "chapada na cara" dos migrantes, ao insinuarem que estes foram responsáveis pela própria tragédia, por embarcarem numa viagem tão perigosa.

Outras ONGs atacam o facto de que as novas regras do governo para as migrações "esvaziaram" as rotas de chegada dos migrantes.

Para a SeaWatch, organização alemã sem fins lucrativos que opera no Mediterrâneo central, a ausência de uma missão europeia de busca e salvamento "é um crime que se repete todos os dias".

A nova lei aprovada pelo governo impõe que, depois de um resgate, as ONG que operam barcos na costa italiana, devem notificar imediatamente as autoridades e dirigir-se ao porto que lhes é indicado.

No passado, os portos indicados eram principalmente na Sicília, Puglia e Calábria, regiões do sul da Itália mais próximas das áreas de resgate, mas há meses que as ONG são desviadas para portos no norte da Itália (Ancona, Ravenna, Livorno, Civitavecchia) muito longe das áreas de socorro, portanto afastando os navios durante dias, ou mesmo semanas, do Mediterrâneo central.

Outro foco de críticas ao Governo tem sido a falta de resgate aos náufragos da Calabria, feitas nomeadamente por um médico socorrista da zona que declarou em direto na televisão que "esta tragédia poderia ter sido evitada" e que "resgatou migrantes com condições de mar muito piores", mas neste caso "era a vontade precisa do governo" deixá-los morrer. 

O ministro do Interior, Piantedosi, respondeu a essas declarações num comunicado à imprensa dizendo que iria incumbir os advogados do Estado de avaliar "as gravíssimas declarações falsas" do médico. 

O procurador de Crotone, Giuseppe Capoccia, disse que os magistrados estão a investigar formalmente o naufrágio; sobre a reconstituição da cadeia de resgate, "não há investigações". 

"Estamos a reconstituir todas as etapas desde o avistamento para reconstituir o que foi feito e compará-lo com o que deveria ter sido feito e o que parece ter sido feito. Claro que as condições do mar eram terríveis", adiantou.

A suspeita de que algo mais poderia ter sido feito para salvar os migrantes é agora generalizada e próximo do local onde se realizou uma vigília, na noite de segunda-feira, no exterior do pavilhão desportivo onde foram colocados os corpos dos migrantes mortos, foi colocado um cartaz dizendo: "As pessoas à mercê do mar devem ser salvas. Assassinos".

Claudia Fusani, jornalista do jornal Il Riformista, disse à Lusa que o governo Meloni "é populista e está em choque com a realidade".

"Essas pessoas fazem de tudo para fugir [dos seus países], mesmo enfrentando a morte. Alguém que é o ministro do Interior deve saber disso, mas parece que [Piantedosi] não tem ideia das condições de onde vêm esses migrantes", adiantou.

O governo italiano aponta baterias a Bruxelas. A primeira-ministra anunciou na segunda-feira à noite que escreveu uma carta ao Conselho Europeu (CE) e à Comissão Europeia "para pedir que o que foi discutido no último CE seja concretizado imediatamente".

Sobre migrações, o último CE declarou que são "um problema europeu que precisa de respostas europeias", o que Meloni apresentou como um vingar da sua política de que a Itália não deve ser deixada a lidar sozinha com a questão.

Para Fusani, contudo, a reviravolta do CE reivindicada por Meloni não tem razão de ser, pois a mesma afirmação foi feita inicialmente há quase dez anos, quando mais de 350 pessoas morreram num único naufrágio.

"Mas questão aqui é que somos [em Itália] a porta de entrada para o Mediterrâneo e, se há migrantes em perigo, é preciso salvá-los", conclui Fusani.

Leia Também: Migrações. Meloni e Piantedosi culpam vítimas por naufrágio em Itália

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