"Não é absolutamente surpresa nenhuma que os EUA estejam a espiar Guterres. Toda a gente sabe que esse tipo de espionagem ocorre na ONU, e Guterres não ficará surpreso com essa notícia. Ele deve assumir que os norte-americanos e outras grandes potências têm maneiras de ouvir as suas conversas. Faz parte do trabalho", disse em declarações à agência Lusa o especialista no sistema das Nações Unidas, Conselho de Segurança e em operações de manutenção da paz.
E, de facto, António Guterres « "não está surpreendido" por ser espiado e pelas as suas conversas privadas serem escutadas, disse nesta quinta-feira o seu porta-voz, Stéphane Dujarric.
"O secretário-geral está neste cargo há bastante tempo, já esteve na política e é uma figura pública há muito tempo, e não está surpreendido com o facto de alguns o espiarem e de que as suas conversas privadas sejam escutadas", disse Dujarric na sua conferência de imprensa diária em Nova Iorque.
O porta-voz considerou lamentável que essas conversas tenham sido distorcidas e depois tornadas públicas.
Em causa está a divulgação de documentos secretos norte-americanos sobre a Ucrânia que indicam que Washington tem vigiado o secretário-geral da ONU.
De acordo com uma notícia da BBC com base nesses documentos secretos, os Estados Unidos acreditam que António Guterres está "demasiado disposto" a aceitar os interesses russos e que estaria a ser demasiado branco com Moscovo.
Contudo, Richard Gowan "duvida muito que isso tenha um grande impacto nas relações do secretário-geral com Washington".
"É embaraçoso para ambos os lados, mas eles continuarão a cooperar. Tenho a certeza de que os russos e chineses vão divertir-se a criticar a espionagem dos EUA nas reuniões da ONU, mas tenho a certeza de que também espiam Guterres", afirmou o analista.
Gowan também não considerou surpreendente a visão de Washington sobre a postura de Guterres face à Rússia.
"Muitos diplomatas ocidentais reclamaram nos últimos meses que Guterres é muito complacente com os russos. Mas o facto é que o secretário-geral está numa armadilha, uma vez que precisa de Moscovo para manter vivo o Acordo dos Cereais do Mar Negro", concluiu Richard Gowan, em declarações à Lusa.
Essa tem sido uma das prioridades de Guterres desde que a guerra na Ucrânia começou, uma vez que o acordo tem permitido que alimentos que estavam parados nos portos ucranianos cheguem a países pobres, assim como levou à redução dos preços desses produtos essenciais no mercado global.
Contudo, a Rússia admitiu na quinta-feira não prolongar o acordo que permite exportar alimentos através do Mar Negro, caso não se verifiquem progressos no cumprimento de compromissos no quadro do memorando entre Moscovo e a ONU.
Paralelamente ao acordo sobre cereais, as Nações Unidas estabeleceram um memorando para facilitar as exportações russas (alimentos e fertilizantes), mas Moscovo afirma que essa parte do acordo não está a ser cumprida.
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