Num 'briefing' do Conselho de Segurança para discutir a situação no Sudão, o enviado especial da missão das Nações Unidas (ONU) no país, Volker Perthes, afirmou que ambas as partes em conflito têm desrespeitado as leis e normas de guerra, atacando indiscriminadamente áreas densamente povoadas, hospitais, lojas e carros civis que transportam doentes, feridos e idosos.
"Esses abusos são sem escrúpulos e podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade", advogou Perthes em relação ao conflito no Sudão, onde há dias se opõem exército e uma força paramilitar.
"Áreas residenciais estão sob ataques persistentes. Casas, lojas, escolas, instalações de água e eletricidade, mesquitas e hospitais foram danificados ou totalmente destruídos. Há relatos de invasões de casas e saques desenfreados. Estes incluem casas e carros de cidadãos sudaneses, funcionários da ONU, trabalhadores humanitários e da comunidade diplomática. Também recebemos relatos perturbadores de tentativas de agressões sexuais", indicou.
Numa videochamada a partir do Sudão, o enviado da ONU falou ainda em relatos de prisioneiros que estão a ser libertados de centros de detenção em Cartum, capital do país, fazendo crescer os temores de aumento de criminalidade.
Como consequência do conflito, os preços dos produtos básicos têm aumentado por todo o país, atingindo até as localidades poupadas pelos combates.
Face à situação no Sudão, que já fez mais de 400 mortos, Perthes exortou ambos os lados do conflito a cumprirem as suas obrigações sob o direito humanitário internacional e a garantirem a proteção de civis e da infraestrutura civil.
"Os civis devem ter passagem segura para deixar áreas de hostilidades ativas e acesso a produtos básicos", disse, perante o corpo diplomático.
Neste momento, Volker Perthes indicou ter três prioridades: um cessar-fogo sustentado com um mecanismo de monitorização; um retorno às negociações políticas; e o alívio do sofrimento humano.
Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, esteve presente na reunião, onde observou que o Sudão faz fronteira com sete países, todos eles envolvidos em conflitos ou em graves distúrbios civis na última década.
"É uma porta de entrada para o Sahel, onde a insegurança e a instabilidade política pioram ainda mais uma situação humanitária já catastrófica", alertou.
Temendo que o conflito se estenda pela região, Guterres apontou que a luta pelo poder no Sudão não está apenas a colocar em risco o futuro do país, mas a "acender um pavio que pode explodir além-fronteiras, causando imenso sofrimento durante anos e atrasando o desenvolvimento em décadas".
"O povo sudanês deixou os seus desejos muito claros. Eles querem a paz e a restauração do Governo civil através da transição para a Democracia. As partes no conflito devem respeitar o cessar-fogo de 72 horas negociado pelos Estados Unidos e unir-se para estabelecer uma cessação permanente das hostilidades", acrescentou o ex-primeiro-ministro português.
Os violentos combates no Sudão, iniciados no dia 15, opõem forças do general Abdel Fattah al-Burhan, líder de facto do país desde o golpe de Estado de 2021, e um ex-adjunto que se tornou um rival, o general Mohamed Hamdan Dagalo, que comanda o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês).
De acordo com Volker Perthes, pelo menos 427 pessoas foram mortas e mais de 3.700 pessoas ficaram feridas desde o início do conflito.
Os confrontos começaram devido a divergências sobre a reforma do exército e a integração das RSF no exército, parte do processo político para a democracia no Sudão após o golpe de Estado de 2021.
De acordo com a secretária-geral adjunta da ONU para Assuntos Humanitários, Joyce Msuya, mesmo antes do conflito as necessidades humanitárias no Sudão já estavam num nível recorde, com 15,8 milhões de pessoas -- um terço da população -- a precisarem de ajuda humanitária.
"Quatro milhões de crianças e mulheres grávidas e lactantes estavam desnutridas. 3,7 milhões de pessoas foram deslocadas internamente. Este conflito [...] ameaça desencadear uma onda inteiramente nova de desafios humanitários", disse Msuya, na reunião de terça-feira do Conselho de Segurança.
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